UMA IDA À CIDADE
No Verão de
1975, quando fiz catorze anos, fui à cidade com a tia.
Fomos no carocha da tia, penso que numa das poucas
vezes que ela levou o seu carro ao Funchal, porque mais tarde já ia sempre de camioneta.
Ficámos em
casa da D. Maria José, uma enfermeira muito amiga da tia, que um
tempo depois veio a ser a minha madrinha do Crisma.
Eu estava a
crescer e precisava de sapatos porque os que tinha já me estavam apertados, o meu dedo grande do pé já andava encolhido, e além disso, também queria andar à moda como as outras raparigas do colégio. Portanto,
a primeira coisa a fazer foi comprar os meus sapatos.
A tia
levou-me à Sapataria Inglesa, na Rua da Carreira, e ali escolhi uns sapatos a
meu gosto, porque até essa idade sempre tinha usado os escolhidos pela mãe, que
os comprava quando ia à cidade e antes de ir me tirava a medida do pé com um lápis, numa
folha de papel da venda. Senti-me já uma rapariga grande, até mais alta do que
era, com os meus sapatos novos de tacão alto escolhidos por mim.
Resolvida a
compra dos sapatos, fomos logo de seguida à Papelaria do Colégio onde a tia me
comprou diversos materiais escolares para o meu 4º Ano do Liceu que no mês de
Outubro seguinte se iria iniciar: uma capa de pele, que escolhi vermelha e com
bandeirinhas de diferentes países, para eu levar os livros no braço à
semelhança das raparigas dos anos mais avançados do colégio; um rolo de papel em
tons de vermelho-escuro para forrar os livros, e alguns cadernos (daqueles que
traziam as fábulas na contracapa); um bom compasso de marca Kern (numa caixinha
vermelha completa com todos os acessórios), tinta-da-china, guaches e pincéis,
tudo o que era preciso para as aulas de Desenho.
É bem
possível que a tia me tenha comprado mais qualquer coisa ou mesmo alguma peça
de roupa, mas o que realmente para mim teve um grande valor foram os meus
sapatos de tacão alto e os materiais escolares que a tia me comprou. A capa de
pele e o compasso resistiram ao tempo e permanecem arrumados junto com alguns livros e mais coisas minhas na cantoneira da nossa casa, como testemunhas
afectivas do meu tempo de escola.
São fragmentos da minha vida e das pessoas importantes que por ela passaram, valiosos pergaminhos da minha história.
Funchal, 05
de Abril de 2025