TEMPO DE SÃO JOÃO
São João marcava o tempo. Era quase sempre uma referência
para algum facto ou acontecimento que tivesse sucedido no mês de Junho. Quando
alguém dizia que isto ou aquilo tinha sido pelo São João, já se sabia que era
por esta altura do ano.
Pelo São João chegavam os dias compridos cheios de sol,
amadureciam as primeiras ameixas, as de São João, e as outras já começavam a
luzir; começava o tempo da fartura e das colheitas do trigo e das semilhas. Era
o começo do Verão, o tempo em que se esquecia o Inverno e aqueles intermináveis
dias cinzentos, com chuva, vento e frio de manhã até à noite. Por isso, toda a
gente gostava de festejar o São João.
As tradições eram muitas e variadas.
Havia quem gostasse de enfeitar o terreiro com rebentos verdes
de canavieira, galhos de louro verde e de alecrim porque se dizia que estas
verduras ficavam benzidas na manhã de São João.
Uns dois dias antes, rapazes e raparigas juntavam-se e pela
noite dentro enfeitavam as fontes, com as mesmas verduras e ainda com vasos de
flores que iam buscar às casas dos vizinhos sem que estes se dessem de conta.
Na véspera de São João, à noite, saltava-se a fogueira no
largo da ponte. Às vezes as labaredas da fogueira tornavam-se demasiado altas e
só mesmo alguns rapazes mais destemidos se atreviam a saltá-las; o cheiro a
louro e a alecrim espalhava-se por todo o sítio.
Na manhã de São João, havia quem tentasse adivinhar o seu
destino tirando sortes. Dizia-se que a água da fonte estava benzida antes do
sol nascer; então as raparigas levantavam-se muito cedo e iam à fonte encher a
bochecha de água que só deitavam fora ao primeiro rapaz que encontrassem pelo
caminho e seria esse o nome do rapaz com quem iriam casar.
Outra sorte era escrever nomes de rapazes em vários papelinhos
enrolados que se colocavam debaixo do travesseiro e o que estivesse aberto pela
manhã, seria o nome do rapaz com quem iriam casar.
Também se tirava a
sorte partindo um ovo inteiro para dentro de um copo de água e o desenho que o
ovo fizesse na água seria o destino. Havia raparigas que viam a imagem de uma
igreja e uma noiva com véu e logo deduziam que se iam casar; também havia quem
visse um navio e porque tinha o marido ou irmãos embarcados acreditava logo que
ia embarcar ao encontro deles.
Eu sempre achei muita graça nestas sortes mas não acreditava
nelas; dava-me vontade de rir quando ouvia fulana e sicrana contar a sorte que
lhes tinha saído, mas nunca tirei sortes, não me ia levantar de madrugada só
para isso. No entanto, gostava muito de saltar a fogueira, lá isso não deixava
passar, e ainda me lembro de ter chamuscado as pernas numa fogueira que já
estava um pouco grande para o meu tamanho.
Mas o que eu gostava mesmo pelo São João eram as histórias
que a mãe contava quando no seu tempo de rapariga ia com a avó e outras
raparigas suas vizinhas enfeitar a fonte das Fontes. Segundo dizia a mãe, a avó
Silvéria era uma grande entusiasta destas tradições e estava sempre pronta para
acompanhar as raparigas nestas andanças, era mesmo a primeira da frente. Pelo
meio destas histórias havia sempre muitas peripécias e as cantigas que a mãe
alegremente nos cantava:
- “São João adormeceu nas escadinhas do coro, as moças deram
com ele e beliscaram-no todo”. E na minha imaginação eu via o santo muito
encolhido nos degraus do coro da nossa igreja e as raparigas todas à sua volta
a dar-lhe beliscões.
- "Vem o Santo António, depois São João, por
fim vem São Pedro para a reinação."
Esta e outras cantigas faziam parte do repertório da mãe que
gostava de cantá-las de vez em quando, mesmo não sendo tempo de São João.
Inevitavelmente, quando chega a esta altura, eu também me lembro delas e
continuo a ouvir a bonita voz da mãe a cantar na minha memória.
Já não salto a fogueira desde esse tempo, mas enquanto Deus
me conservar a minha voz, hei-de sempre cantar aquelas cantigas porque são elas
que me lembram o tempo do São João.