AS RÉCITAS
No Verão, as longas tardes de domingo sugeriam que se fizesse
qualquer coisa diferente para passar o tempo. Então, por iniciativa de algumas
raparigas mais habituadas e empenhadas nestas andanças, organizavam-se as
récitas. Enquanto decorriam os ensaios, elaboração de adereços e demais preparativos,
já o povo ia comentando que ia aparecer isto e aquilo, que fulana ou sicrana ia
representar o tal papel, que ia haver uma cantiga assim e assim, até que finalmente
chegava o dia da apresentação ao público.
As récitas eram apresentadas no palco do salão da igreja do Rosário, no
sábado ou no domingo pela noitinha. O dia não era só de nervosismo e ansiedade
para os participantes, como também de uma ávida e curiosa espera para aqueles
que queriam saber que cenas seriam apresentadas no evento. Como todos queriam
arranjar um lugar bem à frente no salão, muito antes da hora marcada já lá
estava quase toda a gente, grandes e pequenos, à espera que a porta se abrisse
e se desse início à representação, muitos com aquela imensa vontade de soltarem
umas boas gargalhadas, porque sempre eram postos em cena alguns quadros
engraçados e cheios de humor.
Desde pequena fui habituada a estas andanças das récitas.
A imagem mais antiga que tenho na lembrança é de ver, na sala
de casa da prima, adereços já prontos e Teresinha e Noemi a se prepararem para
a sua apresentação. Embora ainda não tivesse idade para participar sei, pelo
que a mãe de vez em quando contava, que o nosso Pedro também participou tocando
gaita, e ainda sei cantar uma das cantigas então apresentada: “-Que lindo
Rosário, nome tão bonito, que lindos rapazes, sempre tenho dito, e as raparigas
que tão belas são, são todas roseiras ainda em botão!”.
Depois de mais crescida, quando andava na escola primária,
também participei em duas récitas.
Na primeira vez cantei e dancei a Yenka, uma dança espanhola.
Era uma dança aos pares, em que cruzávamos as mãos dadas atrás das costas e
abanávamos ora a perna direita, ora a perna esquerda, e depois dávamos três
pulinhos para a frente e para trás. Não me lembro de quem foi o meu par, só me
lembro da minha preocupação em não falhar na coreografia.
Na outra récita em que participei, representei as profissões
e fui vestida de florista, de avental por cima da saia enramada, e com um cesto cheio de flores enfiado no braço. Cantei
sozinha, a minha voz quase a tremer pelo nervoso miudinho, com medo não me desse
vontade de rir no meio da cantiga; mas tal não aconteceu e cantei tudo
direitinho, do princípio ao fim, o que para mim foi um grande alívio.
Estes simples momentos artísticos ficaram gravados na minha
história; ao longo dos anos sempre me surgiam na lembrança, principalmente naquelas
muitas ocasiões em que na situação de professora de Expressão Musical e
Dramática ensaiava os meus alunos e os preparava para as mais variadas
apresentações em palco; a sensação que eu tinha é que também eu era um deles.
São felizes lembranças do meu tempo de criança!...
Funchal, 06-04-2017