quinta-feira, 6 de abril de 2017

No palco das cantigas


AS RÉCITAS

No Verão, as longas tardes de domingo sugeriam que se fizesse qualquer coisa diferente para passar o tempo. Então, por iniciativa de algumas raparigas mais habituadas e empenhadas nestas andanças, organizavam-se as récitas. Enquanto decorriam os ensaios, elaboração de adereços e demais preparativos, já o povo ia comentando que ia aparecer isto e aquilo, que fulana ou sicrana ia representar o tal papel, que ia haver uma cantiga assim e assim, até que finalmente chegava o dia da apresentação ao público.

As récitas eram apresentadas no palco do salão da igreja do Rosário, no sábado ou no domingo pela noitinha. O dia não era só de nervosismo e ansiedade para os participantes, como também de uma ávida e curiosa espera para aqueles que queriam saber que cenas seriam apresentadas no evento. Como todos queriam arranjar um lugar bem à frente no salão, muito antes da hora marcada já lá estava quase toda a gente, grandes e pequenos, à espera que a porta se abrisse e se desse início à representação, muitos com aquela imensa vontade de soltarem umas boas gargalhadas, porque sempre eram postos em cena alguns quadros engraçados e cheios de humor.

Desde pequena fui habituada a estas andanças das récitas.

A imagem mais antiga que tenho na lembrança é de ver, na sala de casa da prima, adereços já prontos e Teresinha e Noemi a se prepararem para a sua apresentação. Embora ainda não tivesse idade para participar sei, pelo que a mãe de vez em quando contava, que o nosso Pedro também participou tocando gaita, e ainda sei cantar uma das cantigas então apresentada: “-Que lindo Rosário, nome tão bonito, que lindos rapazes, sempre tenho dito, e as raparigas que tão belas são, são todas roseiras ainda em botão!”.

Depois de mais crescida, quando andava na escola primária, também participei em duas récitas.

Na primeira vez cantei e dancei a Yenka, uma dança espanhola. Era uma dança aos pares, em que cruzávamos as mãos dadas atrás das costas e abanávamos ora a perna direita, ora a perna esquerda, e depois dávamos três pulinhos para a frente e para trás. Não me lembro de quem foi o meu par, só me lembro da minha preocupação em não falhar na coreografia.

Na outra récita em que participei, representei as profissões e fui vestida de florista, de avental por cima da saia enramada, e com um cesto cheio de flores enfiado no braço. Cantei sozinha, a minha voz quase a tremer pelo nervoso miudinho, com medo não me desse vontade de rir no meio da cantiga; mas tal não aconteceu e cantei tudo direitinho, do princípio ao fim, o que para mim foi um grande alívio.

Estes simples momentos artísticos ficaram gravados na minha história; ao longo dos anos sempre me surgiam na lembrança, principalmente naquelas muitas ocasiões em que na situação de professora de Expressão Musical e Dramática ensaiava os meus alunos e os preparava para as mais variadas apresentações em palco; a sensação que eu tinha é que também eu era um deles.

São felizes lembranças do meu tempo de criança!...

 

Funchal, 06-04-2017