domingo, 16 de julho de 2017

À sombra da ameixieira, no Quebra-Panelas...


SEMILHAS COM BACALHAU

Do São João ao Rosário não faltava trabalho.

Primeiro era a colheita das semilhas, logo depois plantar o feijão e daí a uma semana regar, meter as varas e enrolar o baraço (trabalho que só a mãe sabia fazer!!...); depois vinha a ceifa do trigo e na mesma sequência tirar os regos na terra fofa e poeirenta, plantar a rama das batatas e regar para baixar a poeira; daí a uns dias era preciso mondar o côco dentro dos regos, o que fazíamos em finais de tardes quentes que só apelavam à preguiça e à malandrice.

As tarefas sucediam-se e todos, do maior ao mais pequeno, tinham que ajudar na medida das suas possibilidades, porque o trabalho não podia ser deixado para o outro dia, tinha que ser feito e não havia mais conversa; era preciso aproveitar o bom tempo que o Verão proporcionava.

Numa destas ocasiões em que o pai andava a cavar as semilhas na nossa terra do Quebra-Panelas, coube-me a mim fazer o almoço, o que acontecia algumas vezes, embora tivesse apenas doze ou treze anos. O almoço seria semilhas descascadas com bacalhau, tal como a mãe já me tinha destinado, antes de ir embora para as Fajãs ajudar o pai a abreviar o trabalho, enquanto não vinha a força do calor. E assim foi: fiz tudo direitinho como a mãe me tinha mandado; sem perder tempo, cozi o almoço e depois de pronto arrumei-o devidamente no cesto de asa e levei-o para as Fajãs.

Sentámo-nos para almoçar à sombra da ameixieira, a toalha estendida em cima da erva seca e nós todos à volta, tal e qual um verdadeiro piquenique.

Mal tínhamos começado a degustar o banquete, a mãe constatou que as semilhas estavam pouco gostosas e perguntou-me se me tinha esquecido de lhes deitar o sal. Eu, já um pouco receosa que o pai também fosse reclamar, respondi que achava que não era preciso deitar mais sal, porque o bacalhau já era salgado e fora cozido juntamente com as semilhas. A mãe continuou dizendo-me que o sal do bacalhau não era suficiente e deveria ter acrescentado mais algum.
 
O pai, que ainda não se havia manifestado sobre o assunto, afinal veio em minha defesa e respondeu à mãe que comesse assim e se contentasse, porque para a minha idade já muito eu tinha feito.

Assim continuámos o nosso almoço; mesmo com pouco sal ninguém mais reclamou e toda a gente encheu a barriga de semilhas com bacalhau.

Mas na minha lembrança continua presente aquele almoço à sombra da ameixieira, na nossa terra do Quebra-Panelas.

 

Funchal, 16-07-2017