SEMILHAS COM BACALHAU
Do São João ao Rosário não faltava trabalho.
Primeiro era a colheita das semilhas, logo depois plantar o
feijão e daí a uma semana regar, meter as varas e enrolar o baraço (trabalho que só a mãe sabia fazer!!...); depois vinha a ceifa do trigo
e na mesma sequência tirar os regos na terra fofa e poeirenta, plantar a rama
das batatas e regar para baixar a poeira; daí a uns dias era preciso mondar o
côco dentro dos regos, o que fazíamos em finais de tardes quentes que só apelavam à preguiça e à
malandrice.
As tarefas sucediam-se e todos, do maior ao mais pequeno,
tinham que ajudar na medida das suas possibilidades, porque o trabalho não
podia ser deixado para o outro dia, tinha que ser feito e não havia mais
conversa; era preciso aproveitar o bom tempo que o Verão proporcionava.
Numa destas ocasiões em que o pai andava a cavar as semilhas
na nossa terra do Quebra-Panelas, coube-me a mim fazer o almoço, o que
acontecia algumas vezes, embora tivesse apenas doze ou treze anos. O almoço
seria semilhas descascadas com bacalhau, tal como a mãe já me tinha destinado, antes de ir
embora para as Fajãs ajudar o pai a abreviar o trabalho, enquanto não vinha a
força do calor. E assim foi: fiz tudo direitinho como a mãe me tinha mandado; sem
perder tempo, cozi o almoço e depois de pronto arrumei-o devidamente no cesto
de asa e levei-o para as Fajãs.
Sentámo-nos para almoçar à sombra da ameixieira, a toalha
estendida em cima da erva seca e nós todos à volta, tal e qual um verdadeiro
piquenique.
Mal tínhamos começado a degustar o banquete, a mãe constatou
que as semilhas estavam pouco gostosas e perguntou-me se me tinha esquecido de lhes
deitar o sal. Eu, já um pouco receosa que o pai também fosse reclamar, respondi
que achava que não era preciso deitar mais sal, porque o bacalhau já era
salgado e fora cozido juntamente com as semilhas. A mãe continuou dizendo-me
que o sal do bacalhau não era suficiente e deveria ter acrescentado mais
algum.
O pai, que ainda não se havia manifestado sobre o assunto,
afinal veio em minha defesa e respondeu à mãe que comesse assim e se contentasse,
porque para a minha idade já muito eu tinha feito.
Assim continuámos o nosso almoço; mesmo com pouco sal ninguém
mais reclamou e toda a gente encheu a barriga de semilhas com bacalhau.
Mas na minha lembrança continua presente aquele almoço à
sombra da ameixieira, na nossa terra do Quebra-Panelas.
Funchal, 16-07-2017