quinta-feira, 29 de março de 2018

Quinta-Feira Santa


VENEREMOS, ADOREMOS

A igreja não está cheia como noutros tempos em que os bancos sempre eram poucos para que todo o povo pudesse assistir sentado à cerimónia. Os novos são pouquíssimos, a maioria é gente de meia-idade; o coro, embora pequeno, lá vai conseguindo com a ajuda de algumas vozes daqui e dali que os cânticos se espalhem e se façam ouvir por todo o templo. Mas cheira a incenso e é Quinta-Feira Santa.

 A liturgia em tudo semelhante à de outros tempos, talvez seja um pouco mais leve e a cerimónia mais abreviada, mas o essencial permanece. A atmosfera que ali dentro se vive leva-me inevitavelmente para o meu tempo de criança e traz-me ao pensamento o exemplo daqueles que me ensinaram a viver a Semana Santa.

A leitura do Livro do Êxodo em que Deus diz a Moisés o modo como o povo hebreu, escravo no Egipto, deve proceder para celebrar a Páscoa, a sua passagem da escravidão para a liberdade, faz-me ouvir novamente a voz da mãe com toda a sua expressividade a contar aquele episódio, tal e qual uma verdadeira história. Uma imensurável saudade aperta-me o peito e quase me faz saltar as lágrimas, afinal ninguém como a mãe para contar as histórias da Bíblia e viver com tanto respeito e seriedade as cerimónias da Semana Santa.

Depois vem o Evangelho e a voz da mãe continua a fazer-se ouvir na minha lembrança, no momento do lava-pés, principalmente quando Simão Pedro se nega a que Jesus lhe lave os pés. Aqui a mãe dava o máximo da sua expressão e imprimia-lhe até uma certa graça, pelo que seria mesmo impossível não ter decorado a parte final (-Então lava não só os pés mas também a cabeça!..). A mãe tinha uma grande admiração por São Pedro e gostava muito de contar os episódios em que ele era interveniente.

E continuo a percorrer o fio da memória, já no final da cerimónia, em que me vejo ainda pequena, de joelhos como todo o povo, o cheiro do incenso por toda a igreja e eu a cantar aquele cântico que nunca esqueci, “Veneremos, adoremos…”.

Por mais do que um momento, no decorrer desta missa de Quinta-feira Santa, dou por mim a agradecer a Deus por me ter dado a minha mãe, o meu melhor exemplo de vida. A mãe que melhor do que ninguém, com grande mestria e inteligência (ou não tivesse sido catequista!…), me soube ensinar estas histórias e valores, os alicerces da pessoa que hoje sou e que hei-de levar comigo para o resto da minha vida. Esta é, sem dúvida, a melhor maneira que tenho de honrar a sua memória.


Funchal, 29-03-2018