VENEREMOS, ADOREMOS
A igreja não está cheia como noutros tempos em que os bancos sempre
eram poucos para que todo o povo pudesse assistir sentado à cerimónia. Os novos
são pouquíssimos, a maioria é gente de meia-idade; o coro, embora pequeno, lá
vai conseguindo com a ajuda de algumas vozes daqui e dali que os cânticos se espalhem e se
façam ouvir por todo o templo. Mas cheira a incenso e é Quinta-Feira Santa.
A liturgia em tudo
semelhante à de outros tempos, talvez seja um pouco mais leve e a cerimónia mais
abreviada, mas o essencial permanece. A atmosfera que ali dentro se vive
leva-me inevitavelmente para o meu tempo de criança e traz-me ao pensamento o
exemplo daqueles que me ensinaram a viver a Semana Santa.
A leitura do Livro do Êxodo em que Deus diz a Moisés o modo
como o povo hebreu, escravo no Egipto, deve proceder para celebrar a Páscoa, a sua
passagem da escravidão para a liberdade, faz-me ouvir novamente a voz da mãe com
toda a sua expressividade a contar aquele episódio, tal e qual uma verdadeira
história. Uma imensurável saudade aperta-me o peito e quase me faz saltar as
lágrimas, afinal ninguém como a mãe para contar as histórias da Bíblia e viver
com tanto respeito e seriedade as cerimónias da Semana Santa.
Depois vem o Evangelho e a voz da mãe continua a fazer-se
ouvir na minha lembrança, no momento do lava-pés, principalmente quando Simão
Pedro se nega a que Jesus lhe lave os pés. Aqui a mãe dava o máximo da sua
expressão e imprimia-lhe até uma certa graça, pelo que seria mesmo impossível
não ter decorado a parte final (-Então lava não só os pés mas também a
cabeça!..). A mãe tinha uma grande admiração por São Pedro e gostava muito de contar os episódios em que ele era interveniente.
E continuo a percorrer o fio da memória, já no final da
cerimónia, em que me vejo ainda pequena, de joelhos como todo o povo, o cheiro
do incenso por toda a igreja e eu a cantar aquele cântico que nunca esqueci, “Veneremos,
adoremos…”.
Por mais do que um momento, no decorrer desta missa de
Quinta-feira Santa, dou por mim a agradecer a Deus por me ter dado a minha mãe,
o meu melhor exemplo de vida. A mãe que melhor do que ninguém, com grande mestria e inteligência (ou não tivesse sido
catequista!…), me soube ensinar estas histórias e valores, os alicerces da
pessoa que hoje sou e que hei-de levar comigo para o resto da minha vida. Esta é,
sem dúvida, a melhor maneira que tenho de honrar a sua memória.
Funchal, 29-03-2018