domingo, 17 de fevereiro de 2019

Sopa de agrião


A SOPA DE AGRIÃO

A sopa de agrião com feijão manteiga seco e tripas de porco curadas ao fumeiro, cozida no lar de lenha é coisa que não se pode esquecer. E então se fosse no tempo das semilhas novas, umas semilhinhas novas rapadas, mais umas bolotinhas de inhame davam-lhe sempre um gostinho diferente tornando-a ainda mais saborosa.

A propósito desta sopa a mãe tinha, como já era seu hábito, o tal provérbio que encaixava na perfeição:_ “Quem quer ver o marido morto dá-lhe agriões em Maio e couves em Agosto.” Quer isto dizer que no mês de Maio não havia sopa de agrião porque os agriões estavam todos em flor e em Agosto também não se fazia sopa de couve porque as couves estavam espigadas e as folhas eram muito rijas.

Os agriões nasciam de forma espontânea onde houvesse água a correr permanente, como as pequenas levadas no meio das fazendas, nas margens da ribeira, nos corgos e nos olheiros. Às vezes no nosso olheiro das Fajãs, dentro dos vimieiros ou mesmo na levadinha ao subir para a nossa terra nasciam agriões que sempre davam para uma sopa.

A mim, que sou a mais velha, sempre me cabia a tarefa de ir apanhar os agriões. Quase sempre ia aos olheiros do Antoninho Lino, no lado do Estreito, porque lá havia nascentes de água que corria livremente no meio dos vimieiros e os agriões eram sempre frescos. Embora ainda pequena, de botas de água calçadas, lá ia mesmo sozinha apanhar os agriões, tal como a mãe me havia destinado. Até hoje guardo na lembrança a atmosfera daquele lugar onde imperava um enorme silêncio, envolvido pelo som da água a correr no corgo que ali existia, pautado uma ou outra vez pelos latidos de algum cão que houvesse nas redondezas. Era um silêncio que por vezes me incomodava e até me fazia sentir um inexplicável medo por estar ali sozinha, não fosse acontecer de enterrar os pés naquela terra molhada e pantanosa e ficar ali presa, sem conseguir sair dali sem ajuda de alguém (imaginação e fantasia de pequena!!!...).


Um dia, nestas minhas andanças de ir apanhar os agriões para a sopa aconteceu um episódio engraçado que me ficou gravado na memória. Como sempre, eu levava um pequeno balde de plástico com asa para trazer os agriões e tinha que trazê-lo bem cheio de modo a que desse para fazer a sopa. Mas nesse dia, ou porque estivesse sem pachorra ou porque não era grande a disposição para estar naquele lugar de certo modo bucólico e intimidante, resolvi encher metade do balde com água e coloquei por cima os agriões; coloquei-os todos muito direitinhos e arrumadinhos como se ali tivessem nascido e gostei do resultado do meu trabalho, assim já tinha o balde cheio!

Quando cheguei a casa a mãe tirou os agriões e deu-se de conta da minha obra de arte, o balde meio de água e os agriões a enfeitar a outra metade. Não sei como não levei uma reprimenda, mas se calhar a mãe até achou graça e disse apenas: _”Ah pequena, isto não dá para fazer a sopa, leva o balde e vai lá buscar o resto!!...”  E sem reclamar lá eu tive que voltar aos olheiros do Antoninho Lino a apanhar os agriões que faltavam para fazer a sopa, mas desta vez não coloquei água no fundo do balde.


Passados todos estes anos, sempre que faço uma sopa de agrião lembro-me deste episódio e rio-me mesmo sozinha: ainda me vejo pequena, de botas de água e balde na mão (o balde era verde-claro) a apanhar agriões nos olheiros que hoje já não existem porque os levou a nova estrada que por ali agora passa. E mesmo que por ali perto ainda nasçam agriões, já não será como naquele tempo.