sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Teresinha, tem o lume aceso?...


BRASAS PARA ACENDER O LUME

O lar estava aceso todo o dia, de manhã até à noite.

A mãe que era sempre a primeira a se levantar ia logo acendê-lo, umas vezes com um galho de urze seca e uns gravetos de pinheiro, outras vezes com uma pinha e umas rachinhas de lenha mais delgadinhas para o lume pegar melhor, ou mesmo com um bocado de jornal velho ou papel de embrulho que se trouxera da venda, a servir de acendalha.

            Às vezes, nas frias e escuras manhãs de inverno, quando a mãe se levantava de madrugada para gastar duas ou três linhas no bordado, o pai ainda debaixo dos cobertores gritava em voz alta e na brincadeira “_ Ó velha, põe água no fogo!!!...” dizendo que estava na hora de acender o lume e fazer o café, mas claro que a mãe já o tinha feito antes de qualquer outra coisa.

Assim se mantinha o lar aceso ao longo de todo o dia, para isso bastava meter debaixo da “tempra” (trempe) uma racha de lenha de faia ou de louro que ardia lentamente e mantinha as brasas acesas durante mais tempo.

Não podia faltar brasas no lar, o lume era sempre preciso para cozer o almoço e o jantar e também para cozer uma panela de semilhas cortadas, bolotas de inhame ou batatas miúdas para o porco e para as galinhas porque os bichos também precisavam de comer. E as brasas no lar davam sempre jeito, quando às vezes nos apetecia assar umas batatas ou semilhas que tinham ficado na travessa do almoço (tapada com a toalha vermelha de xadrez, em cima da mesa da cozinha), ou mesmo assar uma meia dúzia de castanhas quando era o tempo delas; bastava metê-las em cima das brasas, deixar um bocadinho a assar e logo tínhamos um lambisco para consolar o estômago.

Neste tempo de enorme viver em comunidade, quase tudo se pedia e quase tudo se emprestava. Quando no dia-a-dia alguma vizinha tinha falta de qualquer coisa socorria-se da vizinha do lado que só não ajudava se não tivesse maneira de o fazer.

A mãe costumava dizer que “água e lume não se nega a ninguém” e na nossa casa era assim que acontecia. Quando uma ou outra vizinha precisava acender o lume quase sempre vinha à nossa casa pedir umas brasinhas.

Muitas vezes ouvimos a tão habitual pergunta da qual já se sabia a resposta “_ Teresinha, tem umas brasinhas que me dê?...”. E lá vinha a Maria Teresa com um grande caco de telha de canudo onde levava as brasas incandescentes para acender o lume em casa. Com toda a atenção eu observava o jeito como ela tirava as brasas da “tempra” para o caco de telha; normalmente puxava-se as brasas com um tição, mas ela metia a mão (parece que ainda estou a ver as mãos dela vermelhas!...), puxava-as todas de uma vez e não se queimava. Eu arregalava os olhos de espanto ao ver como ela conseguia fazer aquilo e ainda hoje me pergunto como é possível pegar em brasas vivas sem queimar as mãos.

São pequenas vivências, aparentemente sem qualquer significado, que os tempos modernos arrumaram numa daquelas minúsculas gavetas cheias de lembranças que constituem a nossa memória. Mas são estas mesmas simples vivências que nos moldaram a alma e foram aprimorando a essência do que somos hoje.


Funchal, 28-02-2020