sábado, 27 de março de 2021

História com pés de inhame

 O MELHOR É PARA O PAI

Durante muitos anos, desde o tempo da avó Serafina, a terra do inhame era mesmo ao pé de casa, separada da vinha apenas pelo corgo que descia da levada do Encontro. Estava ali mesmo à mão, para quando fosse preciso se cavar dois ou três pés para arranjar e pôr a cozer na panela do almoço.

Cozia-se inhame em qualquer dia do ano ou desde que houvesse, mas era obrigatório pela Semana Santa, no almoço da Sexta-feira da Paixão.

Neste tempo Pascal havia quem cozesse aquele inhame branco que crescia nos olheiros e dava uns pés bem grandes, mas esse demorava muito tempo a cozer; então a mãe cozia do que nós tínhamos, o inhame de sequeiro, assim chamado porque crescia em terra normal, sem precisar de muita água e cozia muito mais rápido do que o outro.

A mãe gostava de inhame e cozia-o junto com espigos de couve, batatas de arroba e carne de porco, ou com semilhas e bacalhau. Às vezes, arranjava duas ou três bolotas das mais pequenas e juntava-as à sopa de couve.

Não me lembro se todos em casa gostavam de inhame, mas eu gostava, principalmente quando era no cozido, embora não me agradasse muito quando entrava na sopa de couve. Sempre gostei dos pezinhos mais pequenos que me pareciam mais gostosos; não sei se esta preferência se devia às histórias que a mãe contava ou então porque gostava mesmo mais das bolotas pequenas.

A mãe tinha histórias para tudo, até para os dias em que ao almoço havia inhame cozido no meio das semilhas e batatas de arroba, na travessa em cima da mesa da cozinha.  Eu ouvia as histórias e associava-as sempre connosco, imaginando as cenas como se estivesse a fazer parte delas.

Contava a mãe (com o seu humor característico!!...), o episódio de uma certa família que um dia havia cozido uma panela de inhame para o almoço. Quando estavam a almoçar, e porque o maior deveria ser sempre para o pai que era o cabeça de casal, as filhas foram escolhendo para elas os pés de inhame mais pequenos e deixando os maiores para ele. “Este é para o pai- dizia uma; este é para o pai- dizia outra…” mas no final do almoço elas é que tinham comido o melhor, porque os pés de inhame maiores tinham ficado meio encruados e por isso não eram tão bons como os mais pequenos. E o remate desta história era que nem sempre o que é maior em tamanho é melhor em qualidade, mas o melhor deve ser sempre para o pai.

Esta é uma das muitas histórias da Teresinha das Fontes, a nossa mãe, que lá no céu há-de estar a rir-se, como também se ria quando nos contava estes episódios, ao ver que a sua memória (que tanto pedia a Deus para lhe conservar!!...) afinal não se perdeu; continua naqueles que com ela à volta da mesa da cozinha, entre um pé de inhame ou uma batata de arroba, também se riam e mesmo sem o saber guardavam na lembrança estas pequenas coisas que hoje dizem ser a sua saudade.