domingo, 31 de dezembro de 2023

Viva o Ano Novo!...

 

VIVA O ANO NOVO

O Ano Novo ou o Dia de Jesus como então se dizia, era festejado em casa como qualquer dia de festa.

Na véspera fazia-se uma amassadura de pão fresco porque o da Festa já se tinha acabado; na caixa do pão ainda havia bolos de noiva, e também ainda havia broas e bolo preto.  

Era dia santo de guarda, sendo por isso obrigatório irmos à missa. Depois vinha o almoço, com todos sentados à volta da mesa da cozinha: havia um galo fresco arranjado para este dia e carne de vinha d´alhos que se comia com o pão de rosquilha fresco amassado na véspera.

Alguns vizinhos vinham de camioneta ao Funchal para verem o fogo-de-artifício, mas nós ficávamos em casa. Como poderia a mãe sair de casa para o Funchal com tantos pequenos, para só regressar de madrugada?!... Era trabalho que não valia a pena!... Mas ninguém se aborrecia com isso!... Deitávamo-nos cedo como habitualmente, sabendo que no outro dia já seria um novo ano.

O silêncio da noite era quebrado aqui e ali pelos estalos das bombas que os rapazes iam atirando e rebentando no largo da ponte e à meia-noite também se ouvia fogo-de-estalo, mas a essa hora nós já estávamos no melhor do nosso sono, por isso não nos dávamos conta do barulho das bombas e dos foguetes.

No outro dia quando acordávamos, a mãe contava-nos como tinha sido a passagem do ano: acordava com os estalos dos foguetes, levantava-se, abria a janela da sala e bebia um grogue de aguardente (da boa, feita da borra do vinho e que sempre havia em casa!...) à saúde do Ano Novo. Depois voltava a deitar-se e acordava já de manhã para nos fazer a matina.

Que maravilha de passagem de ano!... Não víamos o fogo-de-vista mas estávamos no calor da nossa casa, com o pai e a mãe à nossa volta, aquecendo e embalando os nossos sonhos para o Novo Ano que chegava!...

Meio século passado, continuamos a sonhar, outros sonhos que não os de criança, mas o pai e a mãe continuam espiritualmente ao nosso lado, a dar-nos força e a elevar-nos até ao melhor daquilo que sonharam para nós. Como se ainda estivéssemos juntos, numa passagem de ano qualquer, do tempo em que éramos crianças!  

 

Funchal, 31 de Dezembro de 2023  

 

 

 

sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Não cortes o teu cabelo!...

CABELO À JOÃOZINHO

Nesse tempo dos anos sessenta, a moda do cabelo era o corte à Joãozinho, o cabelo bem curto com as orelhas à mostra, mas na nossa casa cabelo curto era só para os rapazes e não para as raparigas.

O pai dizia que as pequenas de cabelo curto pareciam cabeças de toutinegra e se calhar a mãe também não gostava de nos ver com o cabelo muito curto, ela que desde pequena sempre teve um cabelão comprido e o usava com duas tranças enroladas, presas com agulhetas e pentes, num bonito penteado na parte de trás da cabeça.  

Eu também queria o meu cabelo cortado à moda, como outras pequenas, mas a mãe não ia atrás de modas, cortava-me o cabelo sempre de beirinha e deixava-o ligeiramente comprido, um pouco acima dos ombros e a tapar as orelhas.

Às vezes a mãe queria me fazer duas tranças, mas eu não deixava porque mais nenhuma pequena andava de tranças e eu tinha vergonha de me ver diferente das outras.

Depois de mais crescida, até para cortar as pontas eu tinha um tormento porque o pai não deixava que eu cortasse o cabelo. Quando andava no colégio já o tinha comprido, um pouco abaixo dos ombros, mas não deixava que crescesse muito, de vez em quando cortava um bocadinho, mas nada que desse muito nas vistas, para que o pai não percebesse.

Assim que aos dezasseis anos vim estudar para o Liceu também comecei a tornar-me dona do meu cabelo. Nessa altura as raparigas usavam uns cortes engraçados e eu também queria um corte assim moderno. Então lá fui cortando um bocadinho de cada vez, primeiro a franja, depois no comprimento até me ficar bem por cima dos ombros.


Um dia, enchi-me de coragem, fui ao cabeleireiro e cortei-o mesmo curto. Foi o meu primeiro grito de independência!

Cheguei a casa pensando que iria haver um sermão, mas o pai olhou e não me disse nada. 

Essa foi a única vez que o cortei mais curto; a partir daí deixei-o crescer mais um pouco e passei a usá-lo ligeiramente mais comprido. 

Tornei-me finalmente senhora do meu cabelo!...

 

Funchal, 08 de Setembro de 2023

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Dia de aniversário

 

RETRATO A PRETO E BRANCO

Reza a história que a menina nasceu numa tarde de muito sol. A parteira que a ajudou a nascer foi a Silvina, mulher do Viveiros e vizinha quase do pé da porta.

O pai estava ausente no Curaçao mas já tinha destinado que ia nascer uma Serafina, então quem lhe fez as honras da casa foi a avó paterna. E foi uma avó Serafina orgulhosa (toda arregaçada nas palavras da mãe!!...) que pegou ao colo a menina acabada de nascer e a trouxe à rua para mostrá-la à vizinhança.

Ouvi esta história vezes sem conta e de cada vez que a ouvia imaginava como se estivesse a ver um retrato, a avó comigo ao colo e as vizinhas à sua volta desejosas por me verem pela primeira vez. E tinha a certeza que lá estavam a prima e as raparigas Maria, Teresinha e Noémi, a Teresinha do Mestre José, a Teresinha Pita e provavelmente mais alguém.


Esta menina que já trazia ao nascer o nome de Serafina, nome escolhido pelo pai, recebeu também o mesmo nome do pai (Ângelo) e da sua madrinha de baptismo e assim ficou com o nome próprio de Ângela Serafina.

terça-feira, 15 de agosto de 2023

A alegria de ir para a Venezuela

 

NO DIA DO MONTE

No Dia do Monte, do ano de mil novecentos e sessenta e sete, véspera do meu sexto aniversário, a prima embarcou para a Venezuela. Teresinha trouxe-me com ela à cidade para despedir a prima e Noemi no cais e viemos todos no carro de praça do Mário, marido de Teresinha.

Da despedida não me lembro absolutamente nada, mas lembro-me bem de que fomos à Festa do Monte. Deverá ter sido esta a minha primeira vinda à cidade, um momento tão importante na minha vida que nunca mais o esqueci; e como já estava prevista a ida ao arraial, o pai deu-me uma moeda de cinco escudos para eu comprar alguma coisa, mas não os gastei e quando regressámos a casa já à noite, ainda os tinha na algibeira.

Quando a prima andava nos preparativos para embarcar eu andava sempre à roda dela, a apreciar tudo e mais alguma coisa, entusiasmada como se também eu fosse com ela para a Venezuela, mas com certeza ainda não teria bem a noção de que só voltaria a vê-la já depois de adulta e professora formada.

Nestas andanças a prima ia várias vezes à cidade, tratar das coisas importantes para o embarque, ia no horário da manhã e regressava no horário da tarde.  Eu passava o dia esperando que chegasse a tarde para ir esperar a prima à Achada de Beirão pensando sempre que ela haveria de me trazer qualquer coisa da cidade.

Num desses dias em que fui esperá-la, vínhamos a descer pelo Caminho do Cantaria, ali perto das figueiras do Ferreirinha, quando Ângela deixou sair um estridente fofózinho e a prima logo a repreendeu, dizendo que aquilo não se fazia e era falta de respeito. Mas Ângela, que desde que aprendeu a falar sempre teve a resposta à ponta da língua, encontrou logo a resposta para a situação e respondeu:

_ Oh, prima! Isto é com a alegria de ir para a Venezuela!

E a prima que sempre se ria com as minhas tontices, achou ainda mais graça a esta e teve que contar a todos, à mãe, ao pai, à avó Serafina e à madrinha a minha resposta com a alegria de ir para a Venezuela.

E a engraçada resposta ficou para sempre, como mais uma história da Serafina.

 

Funchal, 15 de Agosto de 2023


sábado, 22 de julho de 2023

Semilhas e pimpinelas, abóboras e feijão novo

 

HISTÓRIAS COM FEIJÃO

O almoço é à moda de São Vicente: semilhas rachadas com casca, abóbora tenra, pimpinelas e feijão novo já descascado.

Enquanto vou degustando esta deliciosa iguaria que me leva aos almoços de Verão na nossa casa, deixo que se abra um dos muitos escaninhos da minha memória e vejo-me com os meus irmãos à volta da mesa da cozinha, segurando as pontas da toalha enquanto a mãe vira a panela do almoço em cima da travessa e as maçarocas, o feijão, as pimpinelas e todo o resto se espalham ainda a fumegar por cima da toalha da mesa.

Era uma panela grande bem cheia, dava para o almoço e ainda sobrava em quantidade, pelo que depois de todos termos almoçado, a travessa continuava em cima da mesa, tapada com a toalha (era só virar as pontas…) e mais tarde voltávamos lá e comíamos mesmo já frio ou fritando as semilhas, junto com café de mistura (café e cevada) que desde a matina havia na cafeteira.

Como sempre a mãe tinha as suas histórias para nos contar e uma delas tinha o feijão como ingrediente principal.


Esta história não foi inventada, foi um caso que se passou com a prima numa das suas vindas à cidade. Eu sempre lhe achei muita graça e hoje, a propósito de estar a comer feijão novo em seco, lembrei-me dela.

A prima entrou numa loja, ali na Rua dos Tanoeiros, para comprar qualquer coisa. Na mesma loja encontrava-se uma madame da cidade que ao aperceber-se do sotaque diferente perguntou à prima de onde era.

_ A senhora de onde é?...

- Sou de São Vicente!...- respondeu a prima.

_ Ah! Logo vi!... Por isso tem o nariz abolajado de comer feijão às “grafadas”!

A prima engoliu em seco, mas não gostou nada das palavras da madame. Então também lhe perguntou:

_ E a senhora de onde é?...

_ Eu cá sou de Sante Antónie!... respondeu ela toda lampeira do alto da importância que julgava ter por ser da cidade.

_ Ah!... respondeu a prima toda séria. - É por isso que tem a língua arregoada de rapar a colher do milho!...

Ao ouvir o que não estava à espera, a outra meteu a viola no saco e foi embora.

E eu, tal como quando era pequena e ouvia esta história, continuo a imaginar a cena e a ver a cara da prima toda séria, a dar à mulher a resposta que ela merecia ouvir.

As histórias que a Serafina se lembra!!...

 

 

Funchal, 22 de Julho de 2023

 

 

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

A MANIA DO SETE

SEPTOMANIA

Tenho esperança de que este ano 2023 seja um bom ano.

Somando os algarismos (2+2+3) obtemos o número 7.

Não sei porquê mas sempre gostei do número 7. Talvez porque somando os algarismos do meu dia de nascimento (16) e do ano em que nasci (61) também obtenho o número 7. Além disso 7 é um número primo e uma coisa que eu gostava em Matemática era descobrir os números primos.

Se por qualquer razão tenho que escolher um número, sendo possível escolho um que termine em 7, ou então que a soma dos algarismos dê 7.

São coisas minhas mas às vezes estas coisas dão certo!!...

 

Funchal, 01-01-2023