VIVA O ANO
NOVO
O Ano
Novo ou o Dia de Jesus como então se dizia, era festejado em casa como qualquer
dia de festa.
Na véspera
fazia-se uma amassadura de pão fresco porque o da Festa já se tinha acabado; na
caixa do pão ainda havia bolos de noiva, e também ainda havia broas e bolo
preto.
Era
dia santo de guarda, sendo por isso obrigatório irmos à missa. Depois vinha o
almoço, com todos sentados à volta da mesa da cozinha: havia um galo fresco
arranjado para este dia e carne de vinha d´alhos que se comia com o pão de
rosquilha fresco amassado na véspera.
Alguns
vizinhos vinham de camioneta ao Funchal para verem o fogo-de-artifício, mas nós
ficávamos em casa. Como poderia a mãe sair de casa para o Funchal com tantos
pequenos, para só regressar de madrugada?!... Era trabalho que não valia a
pena!... Mas ninguém se aborrecia com isso!... Deitávamo-nos cedo como
habitualmente, sabendo que no outro dia já seria um novo ano.
O silêncio
da noite era quebrado aqui e ali pelos estalos das bombas que os rapazes iam atirando e
rebentando no largo da ponte e à meia-noite também se ouvia fogo-de-estalo, mas
a essa hora nós já estávamos no melhor do nosso sono, por isso não nos dávamos
conta do barulho das bombas e dos foguetes.
No outro
dia quando acordávamos, a mãe contava-nos como tinha sido a passagem do ano: acordava
com os estalos dos foguetes, levantava-se, abria a janela da sala e bebia um
grogue de aguardente (da boa, feita da borra do vinho e que sempre havia em
casa!...) à saúde do Ano Novo. Depois voltava a deitar-se e acordava já de
manhã para nos fazer a matina.
Que maravilha
de passagem de ano!... Não víamos o fogo-de-vista mas estávamos no calor da
nossa casa, com o pai e a mãe à nossa volta, aquecendo e embalando os nossos
sonhos para o Novo Ano que chegava!...
Meio século
passado, continuamos a sonhar, outros sonhos que não os de criança, mas o pai e
a mãe continuam espiritualmente ao nosso lado, a dar-nos força e a elevar-nos até ao melhor
daquilo que sonharam para nós. Como se ainda estivéssemos juntos, numa passagem de ano qualquer, do tempo em que éramos crianças!
Funchal,
31 de Dezembro de 2023