sábado, 22 de julho de 2023

Semilhas e pimpinelas, abóboras e feijão novo

 

HISTÓRIAS COM FEIJÃO

O almoço é à moda de São Vicente: semilhas rachadas com casca, abóbora tenra, pimpinelas e feijão novo já descascado.

Enquanto vou degustando esta deliciosa iguaria que me leva aos almoços de Verão na nossa casa, deixo que se abra um dos muitos escaninhos da minha memória e vejo-me com os meus irmãos à volta da mesa da cozinha, segurando as pontas da toalha enquanto a mãe vira a panela do almoço em cima da travessa e as maçarocas, o feijão, as pimpinelas e todo o resto se espalham ainda a fumegar por cima da toalha da mesa.

Era uma panela grande bem cheia, dava para o almoço e ainda sobrava em quantidade, pelo que depois de todos termos almoçado, a travessa continuava em cima da mesa, tapada com a toalha (era só virar as pontas…) e mais tarde voltávamos lá e comíamos mesmo já frio ou fritando as semilhas, junto com café de mistura (café e cevada) que desde a matina havia na cafeteira.

Como sempre a mãe tinha as suas histórias para nos contar e uma delas tinha o feijão como ingrediente principal.


Esta história não foi inventada, foi um caso que se passou com a prima numa das suas vindas à cidade. Eu sempre lhe achei muita graça e hoje, a propósito de estar a comer feijão novo em seco, lembrei-me dela.

A prima entrou numa loja, ali na Rua dos Tanoeiros, para comprar qualquer coisa. Na mesma loja encontrava-se uma madame da cidade que ao aperceber-se do sotaque diferente perguntou à prima de onde era.

_ A senhora de onde é?...

- Sou de São Vicente!...- respondeu a prima.

_ Ah! Logo vi!... Por isso tem o nariz abolajado de comer feijão às “grafadas”!

A prima engoliu em seco, mas não gostou nada das palavras da madame. Então também lhe perguntou:

_ E a senhora de onde é?...

_ Eu cá sou de Sante Antónie!... respondeu ela toda lampeira do alto da importância que julgava ter por ser da cidade.

_ Ah!... respondeu a prima toda séria. - É por isso que tem a língua arregoada de rapar a colher do milho!...

Ao ouvir o que não estava à espera, a outra meteu a viola no saco e foi embora.

E eu, tal como quando era pequena e ouvia esta história, continuo a imaginar a cena e a ver a cara da prima toda séria, a dar à mulher a resposta que ela merecia ouvir.

As histórias que a Serafina se lembra!!...

 

 

Funchal, 22 de Julho de 2023