HISTÓRIAS COM
FEIJÃO
O almoço
é à moda de São Vicente: semilhas rachadas com casca, abóbora tenra, pimpinelas e feijão novo já descascado.
Enquanto
vou degustando esta deliciosa iguaria que me leva aos almoços de Verão na nossa
casa, deixo que se abra um dos muitos escaninhos da minha memória e vejo-me com
os meus irmãos à volta da mesa da cozinha, segurando as pontas da toalha
enquanto a mãe vira a panela do almoço em cima da travessa e as maçarocas, o
feijão, as pimpinelas e todo o resto se espalham ainda a fumegar por cima da toalha
da mesa.
Era uma
panela grande bem cheia, dava para o almoço e ainda sobrava em quantidade, pelo
que depois de todos termos almoçado, a travessa continuava em cima da mesa,
tapada com a toalha (era só virar as pontas…) e mais tarde voltávamos lá e
comíamos mesmo já frio ou fritando as semilhas, junto com café de mistura (café
e cevada) que desde a matina havia na cafeteira.
Como sempre
a mãe tinha as suas histórias para nos contar e uma delas tinha o feijão como
ingrediente principal.
Esta história
não foi inventada, foi um caso que se passou com a prima numa das suas vindas à
cidade. Eu sempre lhe achei muita graça e hoje, a propósito de estar a comer
feijão novo em seco, lembrei-me dela.
A prima
entrou numa loja, ali na Rua dos Tanoeiros, para comprar qualquer coisa. Na mesma
loja encontrava-se uma madame da cidade que ao aperceber-se do sotaque diferente
perguntou à prima de onde era.
_ A
senhora de onde é?...
- Sou
de São Vicente!...- respondeu a prima.
_ Ah!
Logo vi!... Por isso tem o nariz abolajado de comer feijão às “grafadas”!
A prima
engoliu em seco, mas não gostou nada das palavras da madame. Então também lhe
perguntou:
_ E a
senhora de onde é?...
_ Eu
cá sou de Sante Antónie!... respondeu ela toda lampeira do alto
da importância que julgava ter por ser da cidade.
_
Ah!... respondeu a prima toda séria. - É por isso que tem a língua arregoada
de rapar a colher do milho!...
Ao
ouvir o que não estava à espera, a outra meteu a viola no saco e foi embora.
E eu,
tal como quando era pequena e ouvia esta história, continuo a imaginar a cena e
a ver a cara da prima toda séria, a dar à mulher a resposta que ela merecia
ouvir.
As
histórias que a Serafina se lembra!!...
Funchal,
22 de Julho de 2023