sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Não cortes o teu cabelo!...

CABELO À JOÃOZINHO

Nesse tempo dos anos sessenta, a moda do cabelo era o corte à Joãozinho, o cabelo bem curto com as orelhas à mostra, mas na nossa casa cabelo curto era só para os rapazes e não para as raparigas.

O pai dizia que as pequenas de cabelo curto pareciam cabeças de toutinegra e se calhar a mãe também não gostava de nos ver com o cabelo muito curto, ela que desde pequena sempre teve um cabelão comprido e o usava com duas tranças enroladas, presas com agulhetas e pentes, num bonito penteado na parte de trás da cabeça.  

Eu também queria o meu cabelo cortado à moda, como outras pequenas, mas a mãe não ia atrás de modas, cortava-me o cabelo sempre de beirinha e deixava-o ligeiramente comprido, um pouco acima dos ombros e a tapar as orelhas.

Às vezes a mãe queria me fazer duas tranças, mas eu não deixava porque mais nenhuma pequena andava de tranças e eu tinha vergonha de me ver diferente das outras.

Depois de mais crescida, até para cortar as pontas eu tinha um tormento porque o pai não deixava que eu cortasse o cabelo. Quando andava no colégio já o tinha comprido, um pouco abaixo dos ombros, mas não deixava que crescesse muito, de vez em quando cortava um bocadinho, mas nada que desse muito nas vistas, para que o pai não percebesse.

Assim que aos dezasseis anos vim estudar para o Liceu também comecei a tornar-me dona do meu cabelo. Nessa altura as raparigas usavam uns cortes engraçados e eu também queria um corte assim moderno. Então lá fui cortando um bocadinho de cada vez, primeiro a franja, depois no comprimento até me ficar bem por cima dos ombros.


Um dia, enchi-me de coragem, fui ao cabeleireiro e cortei-o mesmo curto. Foi o meu primeiro grito de independência!

Cheguei a casa pensando que iria haver um sermão, mas o pai olhou e não me disse nada. 

Essa foi a única vez que o cortei mais curto; a partir daí deixei-o crescer mais um pouco e passei a usá-lo ligeiramente mais comprido. 

Tornei-me finalmente senhora do meu cabelo!...

 

Funchal, 08 de Setembro de 2023