CABELO À JOÃOZINHO
Nesse
tempo dos anos sessenta, a moda do cabelo era o corte à Joãozinho, o cabelo bem
curto com as orelhas à mostra, mas na nossa casa cabelo curto era só para os rapazes
e não para as raparigas.
O pai
dizia que as pequenas de cabelo curto pareciam cabeças de toutinegra e se
calhar a mãe também não gostava de nos ver com o cabelo muito curto, ela que desde
pequena sempre teve um cabelão comprido e o usava com duas tranças enroladas, presas
com agulhetas e pentes, num bonito penteado na parte de trás da cabeça.
Eu também
queria o meu cabelo cortado à moda, como outras pequenas, mas a mãe não ia
atrás de modas, cortava-me o cabelo sempre de beirinha e deixava-o ligeiramente
comprido, um pouco acima dos ombros e a tapar as orelhas.
Às vezes
a mãe queria me fazer duas tranças, mas eu não deixava porque mais nenhuma
pequena andava de tranças e eu tinha vergonha de me ver diferente das outras.
Depois
de mais crescida, até para cortar as pontas eu tinha um tormento porque o pai
não deixava que eu cortasse o cabelo. Quando andava no colégio já o tinha comprido,
um pouco abaixo dos ombros, mas não deixava que crescesse muito, de vez em
quando cortava um bocadinho, mas nada que desse muito nas vistas, para que o pai
não percebesse.
Assim
que aos dezasseis anos vim estudar para o Liceu também comecei a tornar-me dona
do meu cabelo. Nessa altura as raparigas usavam uns cortes engraçados e eu também
queria um corte assim moderno. Então lá fui cortando um bocadinho de cada vez,
primeiro a franja, depois no comprimento até me ficar bem por cima dos ombros.
Um
dia, enchi-me de coragem, fui ao cabeleireiro e cortei-o mesmo curto. Foi o meu
primeiro grito de independência!
Cheguei a casa pensando que iria haver um sermão, mas o pai olhou e não me disse nada.
Essa foi a única vez que o cortei mais curto; a partir daí deixei-o crescer mais um pouco e passei a usá-lo ligeiramente mais comprido.
Tornei-me finalmente senhora
do meu cabelo!...
Funchal,
08 de Setembro de 2023