terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Cores sim, preto não!...

A COR PRETA

Não gosto da cor preta.

Podem dizer-me que o preto é chique e confere elegância a quem o usa, que fica bem conjugado com qualquer outra cor, mas nada disso me convence; nenhum argumento me faz gostar da cor preta.

Para mim o preto é a cor da tristeza, em contraste com o vermelho, o amarelo e o laranja que são as cores da alegria.

Desconfio que lá no meu subconsciente estará escondido algum verdadeiro motivo que me leva a não gostar desta cor. Às vezes penso que poderá ser o facto de ter conhecido as minhas duas avós sempre vestidas de preto por já serem viúvas; outras vezes, penso no primeiro vestido preto com bolinhas brancas que a mãe me mandou fazer na costureira quando a avó Serafina faleceu, tinha eu apenas seis anos; para além da tristeza que senti por ter perdido a avó ainda tive que vestir aquele vestido do qual não gostava mesmo nada.

            Às vezes também me vem à lembrança as imagens das mulheres e raparigas a tingirem de preto as suas roupas para fazerem o luto quando algum familiar lhes falecia. Sentia uma grande tristeza ao ver como aquelas roupas de cores alegres e bonitas, após algumas horas se tornavam feias e sem qualquer graça.

            Mas de uma coisa eu tenho certeza: nunca gostei de ver a mãe toda vestida de preto, como aconteceu quando faleceu a sua mãe, a avó Silvéria, em que se vestiu de luto durante um ano. E diz-me a minha intuição que este deverá ser o principal motivo pelo qual associo a cor preta ao sentimento de tristeza. A mãe também não gostava de preto mas sim de cores alegres, no entanto viu-se obrigada a vestir-se de preto, aumentando ainda mais a escuridão que lhe invadia a alma, só para obedecer aos cânones do respeito e às tradições dessa altura. Tanto não gostava de roupa preta que até dizia que assim vestida nem se olhava ao espelho para não ver a sua tristeza.

Também já por algumas vezes me vesti toda de preto, só mesmo por obrigação e apenas por alguns dias, mas não gosto de me ver assim vestida. Fico com a sensação de que envelheci vários anos e que a tristeza tomou conta de mim. A cor preta tira-me toda a luz do meu rosto, vejo-me feia e sem qualquer brilho, mas basta colocar à volta do pescoço um lenço em tons de rosa, para me sentir novamente bonita e cheia de luz.

Será com certeza por tudo isto que gosto de cores alegres, com vida, principalmente o vermelho que me realça a brancura da pele e o azul que intensifica ainda mais a cor azul dos meus olhos. Mas gosto também do amarelo, laranja e cor-de-rosa que fazem brilhar mais intensamente a alegria da minha alma.

É muito triste uma vida sem cor e eu gosto de dar cor à minha vida, pois só assim a minha alma se sente verdadeiramente feliz.

 
 

 

  

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Quarta-feira de Cinzas


JEJUM E ABSTINÊNCIA

A Quarta-feira de Cinzas, primeiro dia da Quaresma, era um dia muito respeitado na nossa casa.

Quarta-feira de Cinzas era dia de jejum e abstinência e por isso não se comia carne, assim como em todas as sextas-feiras da Quaresma.

Como não se podia comer carne, o almoço era normalmente semilhas e batatas com bacalhau e às vezes uns ovos cozidos ou fritos, o que também era bom. E para ajudar a passar o dia, tínhamos ainda malassadas da véspera que comíamos acompanhando com café de cevada misturado com café do bom, logo à matina e pela tarde quando nos desse fome.

A obrigatoriedade de fazer jejum era para os mais velhos e não para nós que ainda éramos pequenos. Mesmo assim, já não era seguida tão à risca como em tempos mais antigos, segundo as histórias que a mãe nos costumava contar. O pai que trabalhava na fazenda desde o nascer do dia até ao pôr-do-sol, não podia de maneira nenhuma fazer jejum, precisava sim de se alimentar para ter forças de trabalhar. Por isso, no Domingo de Páscoa depois da Missa da Ressurreição, lá ia ele à sacristia pagar ao senhor padre a sua desobriga.

 O nosso jejum eram os sacrifícios que a catequista nos aconselhava a fazer ao longo deste tempo que antecedia o domingo de Páscoa: obrigar-se a fazer algo de que não gostássemos muito, esforçar-se para não desobedecer ao pai, à mãe e à professora, fazer silêncio na missa e não se voltar para trás dentro da igreja, brincar com aquele colega de quem menos gostássemos… enfim, tudo coisas muito simples mas nem sempre fáceis de cumprir na totalidade porque ninguém estava à espera de vir a tornar-se santo.

Quarta-feira de Cinzas também era obrigatório ir à missa para a imposição das Cinzas.

Lembro-me perfeitamente da primeira vez que levei a cruz de cinza na testa. Estou a ver-me ainda pequena, à frente do Padre Sousa ouvindo pela sua voz aquela frase que nunca se esquece: “ – Lembra-te que és pó e em pó te hás-de tornar!” Depois sentei-me no meu lugar no banco, e com grande espanto vi a cinza a cair-me da testa para dentro do livrinho de capa azul que tinha na mão para aprender a responder às frases que o senhor padre sucessivamente ia dizendo no decorrer da missa. E esta cena que me ficou na memória é com certeza a imagem mais antiga que tenho da Quarta-feira de Cinzas.