segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Quarta-feira de Cinzas


JEJUM E ABSTINÊNCIA

A Quarta-feira de Cinzas, primeiro dia da Quaresma, era um dia muito respeitado na nossa casa.

Quarta-feira de Cinzas era dia de jejum e abstinência e por isso não se comia carne, assim como em todas as sextas-feiras da Quaresma.

Como não se podia comer carne, o almoço era normalmente semilhas e batatas com bacalhau e às vezes uns ovos cozidos ou fritos, o que também era bom. E para ajudar a passar o dia, tínhamos ainda malassadas da véspera que comíamos acompanhando com café de cevada misturado com café do bom, logo à matina e pela tarde quando nos desse fome.

A obrigatoriedade de fazer jejum era para os mais velhos e não para nós que ainda éramos pequenos. Mesmo assim, já não era seguida tão à risca como em tempos mais antigos, segundo as histórias que a mãe nos costumava contar. O pai que trabalhava na fazenda desde o nascer do dia até ao pôr-do-sol, não podia de maneira nenhuma fazer jejum, precisava sim de se alimentar para ter forças de trabalhar. Por isso, no Domingo de Páscoa depois da Missa da Ressurreição, lá ia ele à sacristia pagar ao senhor padre a sua desobriga.

 O nosso jejum eram os sacrifícios que a catequista nos aconselhava a fazer ao longo deste tempo que antecedia o domingo de Páscoa: obrigar-se a fazer algo de que não gostássemos muito, esforçar-se para não desobedecer ao pai, à mãe e à professora, fazer silêncio na missa e não se voltar para trás dentro da igreja, brincar com aquele colega de quem menos gostássemos… enfim, tudo coisas muito simples mas nem sempre fáceis de cumprir na totalidade porque ninguém estava à espera de vir a tornar-se santo.

Quarta-feira de Cinzas também era obrigatório ir à missa para a imposição das Cinzas.

Lembro-me perfeitamente da primeira vez que levei a cruz de cinza na testa. Estou a ver-me ainda pequena, à frente do Padre Sousa ouvindo pela sua voz aquela frase que nunca se esquece: “ – Lembra-te que és pó e em pó te hás-de tornar!” Depois sentei-me no meu lugar no banco, e com grande espanto vi a cinza a cair-me da testa para dentro do livrinho de capa azul que tinha na mão para aprender a responder às frases que o senhor padre sucessivamente ia dizendo no decorrer da missa. E esta cena que me ficou na memória é com certeza a imagem mais antiga que tenho da Quarta-feira de Cinzas.

 


 

 

 

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário