A FESTA DO SENHOR
A Festa do Senhor era a primeira festa do Verão, pois costumava
realizar-se logo no início do mês de Julho.
Não era um arraial, nem tinha comparação com a festa do
Rosário; era uma festa pequena, feita com os donativos do povo da paróquia, mas
havia fogo-de-artifício e banda de música e todos se empenhavam para que fosse uma festa
bonita.
No meu tempo de pequena, a procissão com o Santíssimo Sacramento
subia o caminho da Vargem, desde a igreja até ao largo da ponte. Ali
instalava-se um altar que ficava encaixado na parte mais estreita do caminho,
entre o portal da casa do padrinho, o senhor Faria, e o muro do lado da ribeira.
Pouco me lembro da celebração propriamente dita porque seria
ainda bem pequena, com certeza ainda não andava na catequese nem compreendia o
momento em si. Mas tenho bem nítida na minha memória toda a azáfama e
preparação do solene acontecimento.
Ainda consigo ver as mulheres e raparigas a fazerem o tapete
de flores da ponte até à Rochinha; no meio delas a Teresinha Hilária a destinar
por um lado e por outro, distribuindo a esta e àquela os vários modelos de
flores desenhadas em folhas de papel vegetal e a dar-lhes todas as indicações
de como deveriam proceder.
O altar ficava bonito
depois de pronto: o retábulo brilhava com a nossa manta vermelha que o pai
tinha trazido do Curaçau, e era sempre utilizada nesta ocasião; aos lados,
vasos de avenca e fetos de metro compunham a decoração em que sobressaía a branca
e alva toalha bordada com linha azulada a caseado e bastidas, sobre a qual emergiam, muito solenes
e elegantes com as velas acesas, os dois grandes castiçais de prata.
As janelas das casas também se engalanavam para a cerimónia:
nas janelas da casa da madrinha ondulavam penduradas as mantas e colchas
bonitas e nas janelas da casa do Viveiros, cheirando a naftalina, as nossas mantas, a azul e a de anjos,
também esperavam com toda a devoção a chegada do Santíssimo Sacramento.
O largo da ponte ficava cheio de gente para assistir à
solenidade, e em todas as almas penetrava o cheiro a incenso que se espalhava por todo o lado.
Ainda bem pequena, muito pouco eu conseguia ver do que se passava à
frente do altar; por muito que me esticasse e me pusesse em pontas de pés, o
meu olhar só alcançava o pálio dourado por cima das cabeças da grande multidão
que ocupava de forma pouco habitual aquele familiar espaço onde durante os
restantes dias do ano havia sempre à vontade lugar para grandes e pequenos.
Assim me ficou na lembrança a Festa do Senhor do meu tempo de
criança.