sábado, 10 de junho de 2017

A água do arroz...


O ARROZ BEM LAVADO

À casa da madrinha nós íamos quase todos os dias, ou porque a mãe lá nos mandava dar um recado e fazer qualquer outra coisa ou mesmo só pela visita.

Eu gostava de ir a casa da madrinha para ler os jornais e as revistas; sentava-me na cadeira de vimes com uma fronha enramada de cores garridas, em frente à janela da cozinha, e ali passava um bocado do meu tempo a divagar pelo mundo das histórias e das letras. Às vezes ajudava em pequenas tarefas, como lavar a loiça ou enxugá-la e arrumá-la na mesa vermelha; outras vezes, enquanto a madrinha preparava o almoço íamos conversando sobre acontecimentos do dia-a-dia. No meio destas conversas, muitas vezes vinha a propósito histórias de outros tempos que a madrinha sempre contava com alguma graça; dessas histórias, muitas  ficaram-me na lembrança e basta às vezes um pequeno gesto ou uma palavra para que me saltem no fio da memória.

Certo dia, estava a madrinha na pia do terreiro da cozinha a lavar o arroz para cozer e eu ao seu lado ia observando atentamente o jeito como o fazia, enquanto falávamos de coisas banais. A dada altura, a madrinha perguntou-me em quantas águas se devia lavar o arroz. Prontamente respondi que deveria ser pelo menos em duas águas como a mãe já me tinha ensinado. Então a madrinha contou-me a história de uma senhora que pretendia contratar uma criada e a pergunta que fazia às raparigas que se lhe apresentavam era em quantas águas lavavam o arroz. Das várias candidatas ao serviço, umas respondiam que bastava uma água, outras que o faziam em duas ou três águas; finalmente uma delas respondeu que lavaria o arroz nas águas que fossem precisas, portanto foi essa que foi contratada. Aquela resposta da rapariga que a madrinha repetiu de uma forma um tanto enfática – “As águas que forem precisas, minha senhora!!...” - ficou-me para sempre guardada na memória.

Muitas vezes me pergunto o porquê de ter gravado na minha mente um episódio aparentemente sem importância alguma. Mas certamente teve para mim muito significado, porque ainda hoje, todas as vezes que estou a lavar o arroz para cozer, lembro-me da madrinha e desta história que me contou à volta da pia do terreiro da cozinha, no tempo em que eu era ainda uma criança e pouco sabia da vida.

 

Funchal, 10-06-2017

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