O ARROZ BEM LAVADO
À casa da madrinha nós íamos quase todos os dias, ou porque a
mãe lá nos mandava dar um recado e fazer qualquer outra coisa ou mesmo só pela
visita.
Eu gostava de ir a casa da madrinha para ler os jornais e as
revistas; sentava-me na cadeira de vimes com uma fronha enramada de cores
garridas, em frente à janela da cozinha, e ali passava um bocado do meu tempo a
divagar pelo mundo das histórias e das letras. Às vezes ajudava em pequenas
tarefas, como lavar a loiça ou enxugá-la e arrumá-la na mesa vermelha; outras
vezes, enquanto a madrinha preparava o almoço íamos conversando sobre
acontecimentos do dia-a-dia. No meio destas conversas, muitas vezes vinha a propósito
histórias de outros tempos que a madrinha sempre contava com alguma graça;
dessas histórias, muitas ficaram-me na
lembrança e basta às vezes um pequeno gesto ou uma palavra para que me saltem
no fio da memória.
Certo dia, estava a madrinha na pia do terreiro da cozinha a
lavar o arroz para cozer e eu ao seu lado ia observando atentamente o jeito
como o fazia, enquanto falávamos de coisas banais. A dada altura, a madrinha
perguntou-me em quantas águas se devia lavar o arroz. Prontamente respondi que
deveria ser pelo menos em duas águas como a mãe já me tinha ensinado. Então a
madrinha contou-me a história de uma senhora que pretendia contratar uma criada
e a pergunta que fazia às raparigas que se lhe apresentavam era em quantas
águas lavavam o arroz. Das várias candidatas ao serviço, umas respondiam que
bastava uma água, outras que o faziam em duas ou três águas; finalmente uma
delas respondeu que lavaria o arroz nas águas que fossem precisas, portanto foi
essa que foi contratada. Aquela resposta da rapariga que a madrinha repetiu de
uma forma um tanto enfática – “As águas que forem precisas, minha senhora!!...” - ficou-me
para sempre guardada na memória.
Muitas vezes me pergunto o porquê de ter gravado na minha
mente um episódio aparentemente sem importância alguma. Mas certamente teve
para mim muito significado, porque ainda hoje, todas as vezes que estou a lavar
o arroz para cozer, lembro-me da madrinha e desta história que me contou à
volta da pia do terreiro da cozinha, no tempo em que eu era ainda uma criança e
pouco sabia da vida.
Funchal, 10-06-2017
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