AS CANTIGAS DO NATAL
As cantigas faziam parte da nossa vida diária, pois todos nós
gostávamos de cantar, tínhamos bom ouvido e facilidade em aprender as cantigas
que ouvíamos. Acho até que com certeza aprendemos a cantar ao mesmo tempo que
aprendemos a falar, quando escutávamos a alegre e bonita voz da mãe a cantar
enquanto cuidava de nós. Assim fomos crescendo e naturalmente manifestando
aquele gosto de cantar que nos acompanha desde esse tempo da nossa infância.
Não havia dia em que não se cantasse e qualquer momento era
apropriado. Enquanto mais pequenos, cantávamos à volta das nossas brincadeiras,
debaixo da vinha; depois um pouco já maiores, cantávamos a arrumar a cozinha, a
lavar a loiça ou a varrer o terreiro, a apastorar a casa ou a engomar a roupa
no sábado à tarde. O repertório era muito variado, desde as cantigas que se
ouvia na rádio, às músicas populares e tradicionais ou mesmo as cantigas que
ouvíamos na igreja.
Com o aproximar do tempo da Festa, as cantigas eram
naturalmente os cânticos da Missa do Parto, as cantigas das romarias de anos
passados e os cânticos de Natal, os que cantávamos na Missa do Galo e alguns
que tínhamos aprendido na escola.
Quando chegava o dia oito de Dezembro, o dia de Nossa Senhora
da Conceição, em que a Festa já se fazia anunciar, começava uma ansiedade que
nos dava a impressão de que nunca mais aquele dia chegava e começava também
aquela incerteza misturada com um leve receio de ser ou não convidada para
cantar no coro das pensadeiras que iam pensar o Menino Jesus na Noite de Natal.
Eu comecei bem pequena, talvez quando entrei na escola
primária, nestas andanças de pensar o Menino na Noite de Natal. Passava os dias
numa roda-viva, a ensaiar todas as tardes até saber bem as cantigas. E todos os
anos se repetia a mesma rotina, o mesmo rodopio dos ensaios para aquela grande Noite. Era uma alegria responder ao anjo que estava no púlpito a anunciar o
Nascimento.
Num desses anos, e como já soubesse de cor todas as cantigas,
fui escolhida para ser o anjo e cantar no púlpito a anunciação. Disse
imediatamente que não queria ser, porque só de imaginar toda aquela gente que
enchia a igreja a olhar para mim, surgia dentro de mim um nervoso miudinho que
me fazia rir e desatar às gargalhadas. Mas tanto insistiram que lá me convenceram,
embora contra a minha vontade.
Quando cheguei a casa contei à mãe a novidade e
assim que Pedro soube que eu seria o anjo disse logo à mãe que nem ia à missa
porque já sabia que eu ia começar a rir no meio das cantigas.
Depois de vários ensaios e a uma semana da Noite de Natal, chegou a altura de ensaiar no púlpito da igreja, e então nesse dia aconteceu mesmo o que eu desde o início sempre temera: embora a igreja estivesse completamente vazia, o nervoso miudinho tomou conta de mim, deu-me vontade de rir e não fui capaz de cantar as cantigas seguidas do princípio ao fim. Então decidiram que outra pequena seria o anjo e eu continuaria a cantar no coro das pensadeiras, o que para mim foi alívio total; e assim continuei por mais alguns anos, a cantar e a pensar o Menino até me tornar rapariga.
Depois de vários ensaios e a uma semana da Noite de Natal, chegou a altura de ensaiar no púlpito da igreja, e então nesse dia aconteceu mesmo o que eu desde o início sempre temera: embora a igreja estivesse completamente vazia, o nervoso miudinho tomou conta de mim, deu-me vontade de rir e não fui capaz de cantar as cantigas seguidas do princípio ao fim. Então decidiram que outra pequena seria o anjo e eu continuaria a cantar no coro das pensadeiras, o que para mim foi alívio total; e assim continuei por mais alguns anos, a cantar e a pensar o Menino até me tornar rapariga.

Este foi um momento engraçado que me ficou para sempre na
lembrança, junto com aqueles momentos em que cantávamos à volta da mãe, sentada
a bordar à janela do nosso quarto, ou quando cantávamos as nossas cantigas de Natal
à volta da nossa lapinha, cuja montagem era sempre de Pedro, o nosso irmão mais
velho que no final quase sempre tocava gaita para animar as nossas cantorias.
Os anos passam e as canções de Natal fazem-me sempre vibrar e
sentir muita daquela magia que antecedia a nossa Festa. A cada Natal que passa,
continuo a ouvir lá dentro da minha alma as nossas cantigas, as nossas vozes e
gargalhadas. E é tudo isso que me faz lembrar que é outra vez Natal!