VÉSPERA DE FESTA
O rodopio começava logo pela manhã, ainda bem cedo.
Como sempre, a mãe era a primeira a levantar-se e não perdia
a última Missa do Parto. Nós ficávamos a dormir e acordávamos com a voz da mãe
na cozinha, já regressada da missa, à conversa com as vizinhas enquanto tomavam
um groguezinho de aguardente com mel e umas broazinhas para animar a alma e amaciar
a garganta; subir o caminho da Vargem e a Rochinha com o frio das manhãs de Inverno
enregelava o corpo até aos ossos, por isso nada melhor que aquele groguezinho
para aquecer e fazer ainda mais lembrar a Festa.
O principal da Festa já estava feito. O pão já tinha sido cozido
no dia anterior, bem embrulhado na alva toalha de algodão e arrumado na caixa; na
tampa de vimes, bem tapados com outra toalha branca, os bolos de noiva deixavam
espalhar por toda a casa aquele delicioso odor a limão e a canela misturando-se com o inconfundível cheiro
a noz-moscada do bolo preto que acertava sempre e do qual a mãe já havia
partido um mais pequeno ainda morno, para se provar como tinha ficado de gosto.
Depois do café, pão de rosquilha fresquinho com manteiga e já
uma fatia de queijo de bola com casca cor-de-rosa, começava a azáfama.
Enquanto o pai esticava o pescoço ao galo e o pendurava,
amarrado pelas patas e de cabeça para baixo ao pau da vinha, a mãe punha ao
lume a panela cheia de água para ferver e depenar o pobre coitado que depois de limpo e arranjado daria uma bela canja e um saboroso guisado com semilhas americanas.
Cada um tinha a sua tarefa e nós as raparigas apastorávamos a
casa: colocávamos a toalha de Natal na mesa da sala, os centros de crochet, os
tapetes novos de retalhos; depois a mãe fazia o ramo de junquilhos que ia apanhar
à beira da ameixieira na porta da loja.
À tarde e depois de quase tudo pronto, os rapazes iam às
nossas Fajãs buscar o pinheiro, já há algum tempo escolhido de entre os vários
que por lá nasciam espontaneamente, para ser o nosso pinheirinho de Natal.
Ao fim do dia, quando já estava tudo apastorado, enfeitávamos
o pinheiro e fazíamos a lapinha, sempre no meio de algum alvoroço. E após todos
estes afazeres, entre uma cantiga e um toque de gaita, mais umas artices e umas
risadas, enquanto se ouvia aqui e ali o estoirar das bombas que os rapazes
atiravam no largo da ponte, íamos passando o tempo até que já era horas de
irmos para a Missa do Galo.
Assim chegava o Dia de Natal!
Funchal, 24-12-2019