terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Tudo pronto para a Festa!...


VÉSPERA DE FESTA

O rodopio começava logo pela manhã, ainda bem cedo.

Como sempre, a mãe era a primeira a levantar-se e não perdia a última Missa do Parto. Nós ficávamos a dormir e acordávamos com a voz da mãe na cozinha, já regressada da missa, à conversa com as vizinhas enquanto tomavam um groguezinho de aguardente com mel e umas broazinhas para animar a alma e amaciar a garganta; subir o caminho da Vargem e a Rochinha com o frio das manhãs de Inverno enregelava o corpo até aos ossos, por isso nada melhor que aquele groguezinho para aquecer e fazer ainda mais lembrar a Festa.

O principal da Festa já estava feito. O pão já tinha sido cozido no dia anterior, bem embrulhado na alva toalha de algodão e arrumado na caixa; na tampa de vimes, bem tapados com outra toalha branca, os bolos de noiva deixavam espalhar por toda a casa aquele delicioso odor a limão e a canela misturando-se com o inconfundível cheiro a noz-moscada do bolo preto que acertava sempre e do qual a mãe já havia partido um mais pequeno ainda morno, para se provar como tinha ficado de gosto.

Depois do café, pão de rosquilha fresquinho com manteiga e já uma fatia de queijo de bola com casca cor-de-rosa, começava a azáfama.

Enquanto o pai esticava o pescoço ao galo e o pendurava, amarrado pelas patas e de cabeça para baixo ao pau da vinha, a mãe punha ao lume a panela cheia de água para ferver e depenar o pobre coitado que depois de limpo e arranjado daria uma bela canja e um saboroso guisado com semilhas americanas.

Cada um tinha a sua tarefa e nós as raparigas apastorávamos a casa: colocávamos a toalha de Natal na mesa da sala, os centros de crochet, os tapetes novos de retalhos; depois a mãe fazia o ramo de junquilhos que ia apanhar à beira da ameixieira na porta da loja.

À tarde e depois de quase tudo pronto, os rapazes iam às nossas Fajãs buscar o pinheiro, já há algum tempo escolhido de entre os vários que por lá nasciam espontaneamente, para ser o nosso pinheirinho de Natal.

Ao fim do dia, quando já estava tudo apastorado, enfeitávamos o pinheiro e fazíamos a lapinha, sempre no meio de algum alvoroço. E após todos estes afazeres, entre uma cantiga e um toque de gaita, mais umas artices e umas risadas, enquanto se ouvia aqui e ali o estoirar das bombas que os rapazes atiravam no largo da ponte, íamos passando o tempo até que já era horas de irmos para a Missa do Galo.

Assim chegava o Dia de Natal!   

 

Funchal, 24-12-2019

domingo, 8 de dezembro de 2019

Começou a Festa!...


NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO

O dia oito de Dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição, era o primeiro dia da Festa e era também o dia da primeira Missa do Parto na nossa Paróquia do Rosário. O senhor padre Teixeira não se limitava às obrigatórias nove missas do parto e celebrava-as quase sempre até ao mês de Janeiro, enquanto houvesse paroquianos devotos a solicitar a sua celebração.

A primeira Missa do Parto, no dia de Nossa Senhora da Conceição, era sempre mandada celebrar pela prima Conceição e pelas suas intenções.

A prima Conceição, que fazia anos neste dia e devia o seu nome à Senhora da Conceição, tinha a devoção de todos os anos mandar celebrar esta missa em sua honra. Era filha do tio Francisco do Canto da Ponte, irmão do avô Manuel Machete das Fontes e deste modo, prima legítima da mãe e da tia. As primas nutriam entre si uma grande estima, por isso esta primeira Missa do Parto era sempre revestida de um especial significado. Então, depois da celebração da missa, era hábito a mãe e a tia irem a casa da sua prima comer uma fatia de bolo e tomar um licor.

Por esta altura já se ia pensando na Festa.

Em casa, o pai destinava o dia da matança do porco, embora desde sempre fosse o dia 18 de Dezembro; a mãe começava a pensar no dia em que amassaria o pão da Festa, as broas de mel e o bolo preto, e o dia em que se ia arrumar a casa, enquanto ia dizendo que não se poderia esquecer de deitar o trigo de molho para as searinhas; os rapazes começavam a pensar onde haveria um pinheirinho jeitoso para se enfeitar com bolas e espiguilhas; e eu ainda pequena, só pensava nas cantigas ao Menino Jesus que iria cantar no coro das pensadeiras na Missa do Galo.

Assim se começava a viver a nossa Festa do Natal!


          Funchal, 08-12-2019