MOENDO O TRIGO E O MILHO
Na caixa grande da cozinha não podia faltar no saco a farinha
de trigo. Era sempre precisa para amassar o pão naquelas datas assinaladas,
para a mãe fazer umas malassadas ou um bolo na frigideira nas tardes de
domingo, ou para fazer umas papas na panelinha de ferro, principalmente no
tempo do frio. E naquelas manhãs em que ainda não havia pão e eu tinha que ir
cedo para as aulas no colégio, a mãe fazia uns daqueles bolos rápidos na
frigideira, que nem levavam fermento, com salsa picadinha para ficarem mais
saborosos. Eu ficava feliz da vida quando ainda me estava a arranjar e já lhes
sentia o cheiro na cozinha; com café eram uma verdadeira delícia. Por isso, de
vez em quando era preciso ir ao moinho levar o trigo para moer e também o milho
para se fazer milho cozido, com couve picadinha e torresmos que ficavam no
fundo da panela; cozido a lenha tinha um sabor inigualável.
O ritual começava com
a mãe a joeirar o trigo com a joeira, escolhendo e tirando as palhinhas ou preganas
que eventualmente tivessem vindo junto quando tinha sido debulhado. Eu achava
muita graça aos movimentos circulares que a mãe fazia com a joeira e também
ajudava a escolher.
Entretanto, a mãe já tinha arranjado os sacos de pano branco
onde se colocava o trigo depois de joeirado e limpo. Estes sacos eram feitos a
partir daquelas sacas de algodão resistente que traziam o açúcar ou o arroz
para ser vendido avulso na venda. Depois de bem lavadas, coradas ao sol na laja
da ribeira e metidas na água com anil, o pano ficava branquinho; dele se faziam
toalhas para a cozinha, as toalhas para o pão que só eram usadas quando se
amassava, para colocar o pão já tendido a levedar antes de ser metido no forno
e para embrulhá-lo depois de cozido, e os sacos para levar o grão ao moinho, usados
exclusivamente para esse fim.
Eu gostava de ir com a mãe ao moinho. Habitualmente íamos ao
moinho do senhor Brazão, ali mesmo na Capela Velha; só mesmo em caso de
necessidade a mãe ia ao moinho do Passa-sol, mas nesse lugar a ribeira era
perigosa e por esse motivo eu nunca lá fui. Ao moinho do senhor Brazão eu fui
muitas vezes, no tempo em que o moleiro que lá trabalhava era o João Miúdo e
depois o João Gomes. Lembro-me de ir pela levada e de ver lá na beira a água em
grande quantidade a descer para o moinho.
Dentro do moinho eu via tudo branco enfarinhado e enquanto a
mãe conversava com o moleiro, eu punha-me a olhar para aquela gavetinha de madeira
a dançar ritmadamente de um lado para o outro, fazendo cair sem parar os grãos
de trigo que ao mesmo tempo iam sendo engolidos pela pedra redonda para serem
moídos e transformados em farinha. Também ia até à rua, à beirinha do terreiro,
deitava a cabeça e espreitava muito curiosa aquela grande roda de pedra, a mó
do moinho, a girar fazendo um barulho ensurdecedor, no meio da água a jorrar
por todos os lados.
Depois vínhamos embora, a mãe trazendo o saco maior com a
farinha e um pernil amarrado com o rolão, eu o saco mais pequeno e mais leve
com o farelo. Como pagamento pelo seu trabalho o moleiro tinha guardado para si
uma maquia do trigo que a mãe tinha levado; era este o modo de pagamento.
São lembranças de outros tempos e modos de vida que hoje se
encontram fora de moda.