sábado, 14 de maio de 2016

É tempo de ir ao moinho...


MOENDO O TRIGO E O MILHO

Na caixa grande da cozinha não podia faltar no saco a farinha de trigo. Era sempre precisa para amassar o pão naquelas datas assinaladas, para a mãe fazer umas malassadas ou um bolo na frigideira nas tardes de domingo, ou para fazer umas papas na panelinha de ferro, principalmente no tempo do frio. E naquelas manhãs em que ainda não havia pão e eu tinha que ir cedo para as aulas no colégio, a mãe fazia uns daqueles bolos rápidos na frigideira, que nem levavam fermento, com salsa picadinha para ficarem mais saborosos. Eu ficava feliz da vida quando ainda me estava a arranjar e já lhes sentia o cheiro na cozinha; com café eram uma verdadeira delícia. Por isso, de vez em quando era preciso ir ao moinho levar o trigo para moer e também o milho para se fazer milho cozido, com couve picadinha e torresmos que ficavam no fundo da panela; cozido a lenha tinha um sabor inigualável.

 O ritual começava com a mãe a joeirar o trigo com a joeira, escolhendo e tirando as palhinhas ou preganas que eventualmente tivessem vindo junto quando tinha sido debulhado. Eu achava muita graça aos movimentos circulares que a mãe fazia com a joeira e também ajudava a escolher.

Entretanto, a mãe já tinha arranjado os sacos de pano branco onde se colocava o trigo depois de joeirado e limpo. Estes sacos eram feitos a partir daquelas sacas de algodão resistente que traziam o açúcar ou o arroz para ser vendido avulso na venda. Depois de bem lavadas, coradas ao sol na laja da ribeira e metidas na água com anil, o pano ficava branquinho; dele se faziam toalhas para a cozinha, as toalhas para o pão que só eram usadas quando se amassava, para colocar o pão já tendido a levedar antes de ser metido no forno e para embrulhá-lo depois de cozido, e os sacos para levar o grão ao moinho, usados exclusivamente para esse fim.

Eu gostava de ir com a mãe ao moinho. Habitualmente íamos ao moinho do senhor Brazão, ali mesmo na Capela Velha; só mesmo em caso de necessidade a mãe ia ao moinho do Passa-sol, mas nesse lugar a ribeira era perigosa e por esse motivo eu nunca lá fui. Ao moinho do senhor Brazão eu fui muitas vezes, no tempo em que o moleiro que lá trabalhava era o João Miúdo e depois o João Gomes. Lembro-me de ir pela levada e de ver lá na beira a água em grande quantidade a descer para o moinho.

Dentro do moinho eu via tudo branco enfarinhado e enquanto a mãe conversava com o moleiro, eu punha-me a olhar para aquela gavetinha de madeira a dançar ritmadamente de um lado para o outro, fazendo cair sem parar os grãos de trigo que ao mesmo tempo iam sendo engolidos pela pedra redonda para serem moídos e transformados em farinha. Também ia até à rua, à beirinha do terreiro, deitava a cabeça e espreitava muito curiosa aquela grande roda de pedra, a mó do moinho, a girar fazendo um barulho ensurdecedor, no meio da água a jorrar por todos os lados.

Depois vínhamos embora, a mãe trazendo o saco maior com a farinha e um pernil amarrado com o rolão, eu o saco mais pequeno e mais leve com o farelo. Como pagamento pelo seu trabalho o moleiro tinha guardado para si uma maquia do trigo que a mãe tinha levado; era este o modo de pagamento.

São lembranças de outros tempos e modos de vida que hoje se encontram fora de moda.

 
 

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