terça-feira, 16 de agosto de 2016

Dia de anos é dia de festa...


DIA DE ANOS

Todos os dias de anos eram sempre lembrados e festejados, pois a mãe não deixava passar nenhum em branco.

Num tempo em que não era hábito receber prendas de aniversário, já nos sentíamos muito felizes quando pela manhã a mãe anunciava que ia arranjar um galo para o almoço porque um de nós fazia anos. Quando dava jeito, já na véspera a mãe fazia uma amassadura de pão, para termos umas rosquilhas de pão fresco nesse dia; assim já podíamos fazer umas empadas com carne de galinha, o que nos sabia sempre muito bem. Alguns de nós tínhamos o nosso dia de anos em datas assinaladas e festejadas: Pedro, no dia de São Pedro, eu, pela Festa do Monte e Agostinho, no Dia de Reis.

Nestes dias em que fazíamos anos, a mãe contava-nos sempre as histórias relativas ao nosso nascimento. Todos nós nascemos na nossa casa e o acontecimento envolvia toda a gente, desde a avó Serafina que estava sempre presente, até aos vizinhos que também deitavam a mão, ajudando no que fosse preciso. Então nós lá íamos ouvindo e sabendo a que horas tínhamos vindo ao mundo, se era dia ou noite, quem tinha sido a parteira, quem tinha feito as nossas roupinhas e quem tinha bordado o lençolinho, quando o pai tinha ido falar com o padrinho, em que dia tinha sido o baptizado e quem nos tinha levado à igreja, como tinha sido a festa e quem tinha vindo, e tudo o mais que a mãe se ia lembrando. O mais interessante era quando a mãe contava a história dos nossos nomes, sempre escolhidos pelo pai, que só lhe contava quando chegava a casa vindo da vila, do Registo Civil, com a nossa cédula na algibeira do casaco. Todos achávamos muita graça aos motivos que levaram o pai a escolher os nossos nomes, que a mãe sempre achou bonitos, excepto quando foi Clara, pois não ficou lá muito contente.

Estas e outras histórias ficaram gravadas na minha memória, mas sobretudo na minha alma e no meu coração. Agora que já não temos o abraço da mãe a dar-nos os parabéns e a narrar com mestria os factos da nossa vida, havemos de lembrar sempre com saudade aqueles pequenos momentos feitos de coisas simples mas que foram, sem dúvida alguma, os melhores que tivemos na vida.

 

domingo, 14 de agosto de 2016

Céu estrelado


CONTAR ESTRELAS

No meu tempo de criança, as noites claras e enluaradas do mês de Agosto despertavam em mim o enorme desejo de olhar para o céu salpicado de estrelas, que por ser Verão parecia que brilhavam ainda mais do que nos outros meses do ano.

Pensando naquela lição de que eu muito gostava - Luar de Agosto - do livro da terceira classe que dizia ser este o luar mais bonito do ano, eu olhava para o céu para confirmar se era mesmo verdade o que tinha lido no texto. Enquanto pensava na lição do livro punha-me a olhar as estrelas, a ver se conseguia apanhar alguma a correr de um lado para o outro, o que às vezes acontecia. E silenciosamente também contava as estrelas, mas contava-as mentalmente porque se o fizesse em voz alta podiam nascer-me verrugas nos dedos, pois como costumavam dizer os mais velhos quem contasse estrelas nascia-lhe verrugas e depois para tirá-las era um problema sério. Na inocência da minha tenra idade eu acreditava que assim acontecia, mas na verdade nunca me nasceram verrugas embora gostasse de contar as estrelas.

Este gosto que eu tinha de olhar para as estrelas tornou-se ainda mais acentuado quando na aula de ciências naturais, no primeiro ano do ciclo preparatório aprendi os nomes das constelações. Depois disso, sempre que via o céu estrelado olhava para ele vezes sem fim, tentando descobrir a Ursa Maior e a Ursa Menor que os mais antigos chamavam “As três Marias”.

Nos tempos de hoje, para saborear as noites de Verão, gosto de me sentar silenciosamente na minha varanda, passeando o meu olhar pelo céu, a observar as estrelas. Agora já não me importo contá-las mas ainda há poucos dias, por duas vezes apanhei uma estrela a correr de um lado para o outro. Também já não ando à procura da Ursa Maior ou da Ursa Menor, mas o meu olhar vai directamente para aquela estrela maior e mais brilhante, rodeada de outras estrelas mais pequenas. Junto com o meu olhar vai o meu pensamento de saudade para todos aqueles que já fizeram parte da minha vida e agora transformados em estrelas estão lá no firmamento. E sei que a maior e mais cintilante estrela é a minha mãe que de lá de cima continua a cuidar de mim.

 

sábado, 6 de agosto de 2016

Tempo de apanhar o trigo


A CEIFA

Quando chegavam os últimos dias do mês de Julho o trigo já se mostrava naquele tom amarelo dourado, querendo dizer que estava seco e pronto para ser colhido. Aproximavam-se os dias da ceifa e já se sabia que durante alguns dias o nosso caminho era o do Lombo.

Esta era uma tarefa que exigia alguma preparação para que tudo estivesse pronto naqueles dias. Alguns dias antes a mãe levava o trigo ao moinho para depois fazer uma amassadura de pão e arranjava as cobertas de retalhos e as sacas de pano grosso para o dia da debulha. Enquanto isso o pai já ia contratando homens, mulheres e raparigas para ajudarem na labuta.

O dia da ceifa começava bem cedo, com a mãe atarefada a fazer uma panela de café e a arranjar pão de casa com manteiga ou com ovos fritos para a matina daquela gente que tinha vindo dar o dia a trabalhar na apanha do trigo. Tomavam o café e seguiam para o Lombo, não sem antes terem molhado a garganta (aqueles que tivessem vontade!...) com o tal groguezinho de aguardente que a mãe sempre gostava de oferecer; com este pequeno incentivo, a subida do Lombo do Cantaria e a caminhada pela Levada do Encontro tornavam-se mais ligeiras e num instante chegavam ao Lombo.

O calor da azáfama e a poeira misturavam-se com a alegria, as cantigas e a boa disposição. Mulheres e raparigas, a cabeça coberta por um lenço ou chapéu de palha, arrancavam as espigas com a mão direita e colocavam-nas numa mão-cheia no seu lado esquerdo para depois os homens as recolherem uma a uma e formarem as maçadoiras que amarravam com um pequeno feixe de espigas. Depois iam-nas empinando de tal modo que pareciam engraçadas cabanas onde os mais pequenos logo aproveitavam para brincar às escondidas. Era divertido brincar à volta destas cabanas, correndo e sentindo nos pés descalços a terra quente, leve e fofa de onde há pouco se tinham arrancado as espigas do trigo. De vez em quando surgia no meio do trigo uma ninhada de murganhos que faziam as mulheres darem saltos e gritinhos enquanto os homens desatavam às gargalhadas e os pequenos corriam e se afastavam com receio de que eles lhes passassem por cima dos pés.
 
A mãe ficava em casa a fazer o almoço, semilhas americanas descascadas e cozidas com bacalhau. E como eram gostosas aquelas semilhas!... A mãe juntava-lhes umas cebolas novas cortadas em quatro que para além de as tornarem mais saborosas, eram depois acrescentadas ao molho de azeite e vinagre do bacalhau deixando-o ainda mais apetitoso.

O almoço, embrulhado na toalha branca de algodão era transportado na tampa de vimes, porque como era para muita gente o cesto de asa mais pequeno não dava para levar tudo. Era o nosso Pedro ou um dos rapazes mais novos que andavam no trigo que vinham a casa buscar a tampa e muito cuidadosamente a levavam às costas pela levada adentro até ao Lombo. E à sombra dos pinheiros ou em qualquer outro espaço onde se pudessem abrigar do sol e do calor, todos se sentavam a almoçar, acompanhando as semilhas americanas e o bacalhau com um copo do nosso vinho que logo de manhã tinha sido levado no garrafão de cinco litros, aquele garrafão de vidro verde-escuro forrado com palhinha trançada.

Depois de todo colhido, os homens com aquela enorme foice roçavam o trigo separando as espigas do restolho que depois de amarrado em molhos seria arrumado no sobrado do palheiro, para na devida altura ser usado na cobertura dos nossos palheiros. As espigas eram arrumadas em montes para daí a uns dias serem debulhadas. Às vezes o pai chegava a dormir no sobrado para cuidar do trigo durante a noite, não fosse algum amigo do alheio atrever-se a lá ir roubar algum trigo para aumentar a sua colheita.

Para nós os pequenos, estes eram dias bem passados. À tardinha chegávamos a casa cheios de terra dos pés até à cabeça, mas vínhamos muito descontraídos e felizes. Quando à noite depois da ceia nos sentávamos no terreiro a refrescar do calor, havia sempre as histórias e artices do dia para contar e as nossas alegres risadas que logo depois nos faziam cair na cama e dormir num sono só até ao outro dia de manhã.