quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Ó meu Menino Jesus...


A NOSSA LAPINHA

A lapinha mais antiga de que tenho memória é a lapinha da avó Serafina. Ainda consigo vê-la em cima da cómoda, com um pano bordado e o Menino Jesus de pé ao centro. À sua volta, pêros, laranjas, o triguinho, os postais de Boas Festas que tinham chegado do Brasil e da Venezuela e as muitas estampinhas com imagens de santos a quem a avó dedicava a sua grande devoção.

Depois da partida da avó Serafina, passou a ser Pedro, o mais velho dos irmãos, o responsável pela nossa lapinha. Então, já não a fazia em cima da cómoda, como era costume da avó, mas em cima da mesinha da sala. Era um trabalho só dele, pois costumava fechar a porta da sala e não nos deixava entrar para não o atrapalharmos, mas quando finalmente a porta se abria, corríamos todos numa enorme algazarra, a ver como estava a nossa lapinha.
 
Num recanto, a mesa era colocada na diagonal e logo atrás o pinheiro, com a gambiarra, as bolas brilhantes e as espiguilhas prateadas. Na mesa, a toalha branca de crochet feita pela mãe; o Menino da avó continuava a estar presente, mas agora tínhamos um Menino Jesus nas palhinhas, oferecido pela tia, os pastores que a mãe tinha comprado, as ovelhinhas, o cavalinho cinzento de Clara e dois galos empoleirados num galho do pinheiro, mesmo por cima da gruta; não faltavam os pêros rosados e os de focinho de rato, as laranjas, o triguinho, algumas cabrinhas e os postais que tínhamos recebido.
 
Mas o que verdadeiramente nos fazia brilhar os olhos eram os nossos brinquedos, colocados no chão à volta da mesa: as bonecas Famosas, bonitas e vaidosas de cabelo comprido, ainda dentro das caixas, os carrinhos com faróis que abriam e fechavam as portas, os cavaleiros nos seus cavalinhos, as carrocinhas de folha, o carro grande dos bombeiros, vermelho e com as escadas brancas; tudo brinquedos que a tia nos oferecia mas não eram para estragar, por isso ficavam guardados naquela pequena mala, castanha e de cartão, que um dia o pai trouxe do Curaçau, e só de lá saíam quando se fazia a lapinha.

Quando a nossa euforia se acalmava, chegava o momento das cantigas ao Menino Jesus. Cada um cantava a sua cantiga como sabia, quase sempre a mãe ajudava-nos a cantar e às vezes, Pedro que tocava gaita muito bem, também ajudava à romaria, acompanhando com a gaita as nossas cantigas. Todos juntos à volta da lapinha, fazíamos a nossa festa.

São momentos felizes das nossas vidas que para sempre ficarão na lembrança, dos quais é impossível não sentir saudades e uma grande nostalgia, nesta época em que os sentimentos estão à flor da pele.

Saudades sentimos nós daqueles que outrora fizeram a nossa Festa e são agora as estrelas que iluminam a nossa lapinha.

 

Funchal, 22-12-2016   

domingo, 18 de dezembro de 2016

Sempre Natal...

A ESTRELA DO NATAL

            A mais importante figura do nosso Natal era o Menino Jesus, porque nesse tempo o Pai Natal ainda não tinha chegado à nossa casa e talvez nunca lá tenha chegado a entrar.

Tudo era feito em louvor do Menino Jesus e para tudo se pedia a Sua ajuda.

O pão da Festa era amassado em louvor do Deus Menino e a Ele se pedia que o fizesse crescer depois de amassado, tendido e posto a levedar, antes de ser levado para dentro do forno; as searinhas também eram em honra do Menino Jesus para que abençoasse as novidades e nos ajudasse a ter fartura de trigo no ano seguinte e o mesmo se dizia dos peros rosados ou os de focinho de rato e das laranjas que em Seu louvor se colocavam na lapinha.

Mas a estrela do nosso Natal era sem qualquer dúvida a nossa mãe, embora nós, ainda pequenos, não nos apercebêssemos disso.

A mãe vivia intensamente o Natal, valorizando todas as tradições a ele associadas, desde as Missas do Parto ao verdadeiro significado do Dia de Festa, passando pelas romarias e cânticos da Noite de Natal.

A partir do Advento, quando as noites já eram bem longas e o serão depois da ceia ainda dava para gastar umas linhas no bordado, a mãe ia sempre buscar histórias e cantigas da Festa do seu tempo de mocidade e nós, à sua roda, ouvíamos embevecidos, rindo e fazendo perguntas. Deliciávamo-nos com as peripécias da Festa em casa do avô das Fontes; imaginávamos aquela romaria da Noite de Natal em que um grupo de rapazes levou uma barquinha pela igreja adentro até ao altar, com um melrinho a esvoaçar à frente, amarrado por um fio; víamos a mãe jovem, de mão dada com a nossa prima Virgília, ainda criança, a cantar ao pé do Menino Jesus (A pastora pequenina, ainda não sabe cantar, foi pedir à sua tia, para lhe vir ajudar!…) e junto com a mãe cantávamos as cantigas do seu tempo que nos ia ensinando.

Desde sempre ouvimos a mãe dizer-nos que o Natal era a festa das crianças, porque o Menino Jesus nasceu e fez-se criança como nós, mas era sobretudo a Festa da Família, e por isso não poderíamos esquecer todos os nossos familiares que já haviam partido.

Assim aprendemos e assim continuamos a sentir o Natal, lembrando a Festa da nossa infância com muita saudade e nostalgia, mas agradecendo ao Deus Menino por nos ter dado como exemplo de vida, a nossa mãe.

 

     
 
 

 

sábado, 10 de dezembro de 2016

O sapatinho na lareira


À ESPERA DO MENINO JESUS

Como toda a criança pequena eu esperava ansiosa a chegada da Festa. Ao longo de todo o ano ia contando os meses, as semanas e os dias que faltavam para o dia vinte e cinco de Dezembro que parecia nunca mais chegar.

A Festa era o tempo da alegria e das cantigas ao Deus Menino, das corridas ao carteiro à espera dos postais do Brasil e da Venezuela, dos foguetes a estalar de madrugada a anunciar as Missas do Parto, do pão de rosquilha e dos bolos de noiva a cheirar dentro da cozinha, das laranjas e dos peros rosados para pôr na lapinha, dos estalos das bombas que os rapazes rebentavam no largo da ponte. Era a Festa do Menino Jesus que ia descer pela chaminé e deixar um presente no sapatinho que na Noite de Natal os mais pequenos colocavam na lareira.

Eu acreditava ser mesmo verdade que o Menino Jesus descia pela chaminé, mas sempre achei um pouco estranho que isso pudesse acontecer. Muitas vezes perguntei à mãe como era possível o Menino Jesus descer pela nossa chaminé sem magoar os seus delicados pezinhos descalços e sem sujar o seu vestidinho branco na ferrugem, embora a chaminé tivesse sido limpa. A mãe arranjava sempre uma explicação e lá me ia convencendo, até que um dia descobri a verdade.

Lembro-me bem que já andava na primeira classe. Curiosa como sempre fui, abri o vestuário da mãe porque achava que lá dentro havia alguma coisa escondida. Não foi preciso procurar muito e logo encontrei, lá no cantinho do vestuário, uma bonita pasta azul que só poderia ser para eu levar para a escola. Com certeza devo ter sentido o meu coração a bater acelerado perante aquela descoberta, mas não contei a ninguém o sucedido.

Quando na manhã do dia de Festa, fui à lareira e encontrei em cima do meu sapato a mesma pasta que eu já tinha visto, cheguei à conclusão que afinal o Menino Jesus não descia pela chaminé. Contei à mãe o que já sabia e não lhe dei descanso enquanto não me disse a verdade sobre quem me tinha trazido aquele presente. Então vim a saber que o meu Menino Jesus havia sido a minha madrinha que me tinha trazido do Funchal aquela bonita pasta para ser colocada no meu sapato na Noite de Natal.

A partir desse Natal, não foi mais preciso pôr o sapato na lareira porque já sabia que quem me trazia um presente era a tia e a madrinha, e como sempre dizia a mãe, com a ajuda do Menino Jesus.

 

Funchal, 09-12-2016