A NOSSA LAPINHA
A lapinha mais antiga de que tenho memória é a lapinha da avó
Serafina. Ainda consigo vê-la em cima da cómoda, com um pano bordado e o Menino
Jesus de pé ao centro. À sua volta, pêros, laranjas, o triguinho, os postais de
Boas Festas que tinham chegado do Brasil e da Venezuela e as muitas estampinhas
com imagens de santos a quem a avó dedicava a sua grande devoção.
Depois da partida da avó Serafina, passou a ser Pedro, o mais
velho dos irmãos, o responsável pela nossa lapinha. Então, já não a fazia em
cima da cómoda, como era costume da avó, mas em cima da mesinha da sala. Era um
trabalho só dele, pois costumava fechar a porta da sala e não nos deixava entrar
para não o atrapalharmos, mas quando finalmente a porta se abria, corríamos
todos numa enorme algazarra, a ver como estava a nossa lapinha.
Mas o que verdadeiramente nos fazia brilhar os olhos eram os nossos brinquedos, colocados no chão à
volta da mesa: as bonecas Famosas, bonitas e vaidosas de cabelo comprido, ainda
dentro das caixas, os carrinhos com faróis que abriam e fechavam as portas, os cavaleiros
nos seus cavalinhos, as carrocinhas de folha, o carro grande dos bombeiros, vermelho e com as escadas brancas; tudo brinquedos que a tia nos oferecia mas não eram para
estragar, por isso ficavam guardados naquela pequena mala, castanha e de cartão,
que um dia o pai trouxe do Curaçau, e só de lá saíam quando se fazia a lapinha.
Quando a nossa euforia se acalmava, chegava o momento das
cantigas ao Menino Jesus. Cada um cantava a sua cantiga como sabia, quase
sempre a mãe ajudava-nos a cantar e às vezes, Pedro que tocava gaita muito bem,
também ajudava à romaria, acompanhando com a gaita as nossas cantigas. Todos
juntos à volta da lapinha, fazíamos a nossa festa.
São momentos felizes das nossas vidas que para sempre ficarão
na lembrança, dos quais é impossível não sentir saudades e uma grande nostalgia,
nesta época em que os sentimentos estão à flor da pele.
Saudades sentimos nós daqueles que outrora fizeram a nossa Festa
e são agora as estrelas que iluminam a nossa lapinha.
Funchal, 22-12-2016