PEDIR JÁ NÃO É VERGONHA
Mudam-se os tempos e mudam-se as vontades, como bem dizia
Luís de Camões.
Com a mudança dos tempos mudaram as prioridades na vida, os
desejos e os objectivos também são diferentes, a honestidade e a vergonha são
coisas do antigamente; o que interessa é o parecer ter igual aos outros, mesmo que para
isso o esforço seja mínimo ou até nenhum.
A realidade é que há por aí pessoas tão habituadas a viver do
“se me dão” que nem têm noção da figura ridícula que são capazes de fazer,
apenas para conseguirem satisfazer um pequeno capricho seu.
Antigamente, quem pedia na rua ou à porta de alguém era mesmo
por necessidade, por uma questão de sobrevivência, porque havia realmente casos
de pobreza e miséria. Mas até neste aspecto os tempos mudaram e hoje mesmo tive
oportunidade de comprovar aquilo que estou a dizer.
Ao início da tarde de hoje, estava eu no supermercado quando
fui abordada por um rapaz de quinze ou dezasseis anos e já com barba que me
pediu dinheiro porque tinha fome e ainda nem tinha almoçado. Olhei para ele,
gorducho e bem nutrido mas não me pareceu com cara de quem passa fome. Incrédula
e com ar interrogativo olhei-o bem e ele voltou a insistir que ainda não tinha
almoçado. Incapaz de me conter retorqui-lhe:
- Ó rapaz! Com esse corpinho pensas que eu acredito em ti?
Vai mas é trabalhar! Pega numa vassoura e começa a varrer porque o dinheiro não
cai do céu!
Não sei se ficou envergonhado, mas deu meia volta e logo
depois vi-o sair do supermercado.
Quando passei pela caixa comentei o sucedido com a
funcionária e ela disse-me que deveria ter chamado o segurança porque ninguém
pode pedir dinheiro dentro do supermercado.
Mas o mais interessante veio depois. Quando passei na zona da
restauração dei de caras com ele, o ar mais descontraído deste mundo, sentado à mesa juntamente com outros
companheiros, a desfrutar de um enorme gelado. Aproveitei para lhe dar uma
lição dizendo-lhe que da próxima vez que for pedir dinheiro não o faça dentro
do supermercado e que podia ter chamado o segurança. Ele baixou a cabeça e nem
abriu a boca, porque percebeu que tinha sido apanhado.
Resumindo e concluindo: a vergonha é coisa que já não existe
e até os pobres que hoje pedem na rua são diferentes dos de antigamente.
Funchal, 28-01-2018