domingo, 28 de janeiro de 2018

Os pobres de hoje em dia...

PEDIR JÁ NÃO É VERGONHA
Mudam-se os tempos e mudam-se as vontades, como bem dizia Luís de Camões.

Com a mudança dos tempos mudaram as prioridades na vida, os desejos e os objectivos também são diferentes, a honestidade e a vergonha são coisas do antigamente; o que interessa é o parecer ter igual aos outros, mesmo que para isso o esforço seja mínimo ou até nenhum.

A realidade é que há por aí pessoas tão habituadas a viver do “se me dão” que nem têm noção da figura ridícula que são capazes de fazer, apenas para conseguirem satisfazer um pequeno capricho seu.

Antigamente, quem pedia na rua ou à porta de alguém era mesmo por necessidade, por uma questão de sobrevivência, porque havia realmente casos de pobreza e miséria. Mas até neste aspecto os tempos mudaram e hoje mesmo tive oportunidade de comprovar aquilo que estou a dizer.

Ao início da tarde de hoje, estava eu no supermercado quando fui abordada por um rapaz de quinze ou dezasseis anos e já com barba que me pediu dinheiro porque tinha fome e ainda nem tinha almoçado. Olhei para ele, gorducho e bem nutrido mas não me pareceu com cara de quem passa fome. Incrédula e com ar interrogativo olhei-o bem e ele voltou a insistir que ainda não tinha almoçado. Incapaz de me conter retorqui-lhe:

- Ó rapaz! Com esse corpinho pensas que eu acredito em ti? Vai mas é trabalhar! Pega numa vassoura e começa a varrer porque o dinheiro não cai do céu!

Não sei se ficou envergonhado, mas deu meia volta e logo depois vi-o sair do supermercado.

Quando passei pela caixa comentei o sucedido com a funcionária e ela disse-me que deveria ter chamado o segurança porque ninguém pode pedir dinheiro dentro do supermercado.

Mas o mais interessante veio depois. Quando passei na zona da restauração dei de caras com ele, o ar mais descontraído deste mundo, sentado à mesa juntamente com outros companheiros, a desfrutar de um enorme gelado. Aproveitei para lhe dar uma lição dizendo-lhe que da próxima vez que for pedir dinheiro não o faça dentro do supermercado e que podia ter chamado o segurança. Ele baixou a cabeça e nem abriu a boca, porque percebeu que tinha sido apanhado.

Resumindo e concluindo: a vergonha é coisa que já não existe e até os pobres que hoje pedem na rua são diferentes dos de antigamente.



Funchal, 28-01-2018

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Sopa de couve


A CULPA FOI DO FEIJÃO SECO
            Enquanto faço o jantar vou-me lembrando da mãe. Naturalmente que por qualquer motivo e a qualquer hora do dia ou da noite me lembro dela, mas hoje lembrei-me sobretudo por causa do meu jantar que já saíu um bocado tarde.

Nos meus telefonemas diários que mais ou menos a esta hora costumava fazer para a mãe, entre outras coisas falávamos do jantar. Eu gostava de saber o que a mãe tinha feito para o jantar, se já tinha jantado e normalmente por esta hora a mãe já se tinha despachado. Às vezes era a mãe que telefonava para saber de nós e muitas vezes acontecia que o jantar ainda não estivesse pronto. Então a mãe logo dizia que o nosso jantar era como os dos Serradores.

Os Serradores eram uma família oriunda de Santo António do Funchal que tinha ido viver para São Vicente. Tinham hábitos alimentares diferentes das gentes de lá do sítio e pelo que a mãe dizia, quando já toda a vizinhança tinha ceado, na casa deles ainda tinham ao lume a panela do milho, por isso ceavam sempre tarde, quando o resto dos vizinhos já estavam amanhados para se deitarem.

Hoje o meu jantar foi mesmo como a ceia dos Serradores, mas a culpa foi do feijão seco que demorou a cozer. Uma sopinha de couve como a que a mãe fazia tem que levar feijão manteiga, à moda da nossa casa, senão perde a graça. E já está cozida mas tenho que deixá-la compor, para então saboreá-la pensando na mãe e nas histórias que sempre tinha para cada ocasião.

 

Funchal, 25-01-2018

 

 

sábado, 20 de janeiro de 2018

Sempre com Deus...


DEUS NA MINHA VIDA

Eu e Deus sempre convivemos em perfeita harmonia.

Conheci-O em tenra idade, quando com apenas duas semanas de vida fui baptizada e o seu Espírito entrou na minha alma.

À medida que fui crescendo, Deus nunca me faltou e sempre acompanhou todos os meus passos. Apesar de não O ver, sabia que estava sempre presente, pois uma das primeiras coisas que aprendi, desde que me conheço, foi que Deus está em toda a parte. Ensinaram-me, eu acreditei e continuei acreditando ao longo dos anos.

Não me lembro de alguma vez ter olhado para Deus como um Alguém castigador. Apesar de saber distinguir um simples pecado de um pecado mortal, mesmo sabendo na ponta da língua os sete pecados capitais, aprendi a olhar para Deus como aquele ser superior que está sempre ao nosso lado, ajudando nas coisas mais simples ou apoiando-nos nas decisões mais importantes que tenhamos de tomar.

Em momento algum me passou pelo pensamento que Deus não existisse, e assim fui convivendo com Ele no seio da família, na igreja ou na catequese.

Confesso que já depois de adulta tive uma fase em que nos desencontrámos por alguns tempos. Por vezes, novas pessoas que vamos conhecendo e o meio em que nos movemos quase nos desviam de amizades mais antigas. No auge da nossa juventude, não podemos ou não queremos destoar das ideias daqueles com quem diariamente convivemos e assim vamo-nos deixando levar pela mesma maré e pela mesma onda em que navegam o seu barco, já que também estamos dentro dele.

Eu e Deus andámos cada um para seu lado, como velhos amigos que a vida levou por diferentes caminhos, mas nunca deixaram de pensar um no outro; quando voltam a encontrar-se abraçam-se com emoção e reparam que aquele laço que desde sempre os uniu afinal não se rompeu, continua com o nó bem apertado apesar do desencontro.

Reencontrei Deus nos momentos mais tristes da minha vida, quando perdi aqueles que me eram mais queridos, naqueles momentos em que muitos se desiludem com Ele e duvidam da Sua existência. Nesses momentos em que a tristeza tomou conta da minha alma, nunca duvidei de que Deus estivesse ao meu lado. Foi acreditando nesta certeza que consegui vencer a tristeza e ultrapassar a dor e a saudade imensa que preenchiam os meus dias.

Eu e Deus voltámos a encontrar-nos e agora penso que não haverá mais nenhum desencontro. A maturidade permite-me afirmar que estarei sempre com Ele, como Ele sempre esteve ao meu lado. E também sei que continuaremos a conviver em perfeita harmonia.

 

Funchal, 20-01-2017   

sábado, 13 de janeiro de 2018

A moda do véu...


O MEU VÉU DE TULE

Aquele era o tempo em que as mulheres, quando iam à missa, não podiam entrar na igreja com a cabeça descoberta. Era obrigatório cobrir os cabelos com um véu ou com um lenço. O véu ou o lenço era um acessório que fazia parte da roupa da missa.

As raparigas solteiras cobriam a cabeça com o seu véu branco de renda bordada, já as mulheres casadas usavam-no em tom cru e às vezes cinza prateado, mas usavam-no preto se estivessem de luto e para acompanhar os enterros, bem como no Dia das Almas e na Missa da Paixão na Sexta-feira Santa.

Depois de uma certa idade, com a maturidade dos anos, as mulheres gostavam de ir à missa de lenço na cabeça com as pontas atadas debaixo do queixo, e se fosse mulher viúva o lenço era preto, como não poderia deixar de ser.

Ainda pequena também tive o meu véu. Foi o véu da minha Primeira Comunhão, que não era de coroa como algumas pequenas usavam, mas em tudo idêntico ao véu das mulheres mais velhas.

O meu véu era branco, de tule e com florinhas e lacinhos bordados em toda a volta. Quando ia à missa ao domingo levava-o sempre e isso fazia-me sentir grande e importante como as outras raparigas, mulheres já feitas.

Parece que ainda estou a ver-me na igreja, sentada no banco da frente, de véu branco na cabeça e de livro aberto na mão, o inesquecível livrinho de capa azul que o Padre Sousa comprou para os pequenos da catequese aprenderem as orações e acompanharem a missa adequadamente.

Não me lembro exactamente em que altura deixou de ser obrigatório cobrir a cabeça para assistir à missa, mas sei que aquele foi o único véu que tive.

Depois de um pouco mais crescida as raparigas já iam à missa “em cabelo”, embora algumas mulheres mais velhas continuassem a usar o véu ou o lenço. Assim acontecia com a mãe que sempre teve o seu véu, e embora só em determinados momentos o pusesse na cabeça, não dispensava um bonito lenço quando ia à missa. Quase sempre levava-o sobre os ombros e só o colocava na cabeça com as pontas atadas debaixo do queixo se houvesse necessidade de se proteger do frio, nas agrestes manhãs de inverno em que subir a Rochinha nos enregelava até as orelhas.

E a moda do véu foi e não voltou!...

 

Funchal, 13-01-2018