O PÃO DA FESTA
O dia
em que se amassava o pão da Festa era dia de azáfama e correria.
Na
véspera era preciso pôr tudo pronto: a lenha de faia, fundamental para fazer o
forno porque deixava o pão mais corado e bonito, e uns gravetos secos de pinheiro
e umas pinhas ou um braçado de parreiras secas para o lume pegar melhor, e
algumas também para arder depois na porta do forno e não deixar descair o calor
enquanto o pão cozia lá dentro.
As folhas
de couve também ficavam melhor apanhadas de véspera porque assim já estavam
meio murchas e mais fáceis de arranjar para colocar por baixo das rosquilhas, bem
como umas folhas de bananeira que se ia buscar à Fonte de Baixo e que a mãe já
cortava com a tesoura em bocados para colocar por baixo dos bolos doces ou
bolos de noiva; as folhas de bananeira eram lisas, sem nervuras e deixavam a
sola dos bolos mais lisinha. E não se podia esquecer de verificar se o cabo da
pá estava em condições, arranjar o varredouro para varrer o forno e uma vara
comprida também de faia para esbrasear, lavar o alguidar e a tendeira e às
vezes a mãe já cozia a batata doce porque no outro dia podia não haver tempo. Era
preciso ter estas coisas todas prontas antecipadamente para depois não
atrapalhar a amassadura do pão.
A mãe
levantava-se de madrugada para amassar os bolos doces porque demoravam mais
tempo a levedar. Quando acordávamos sentíamos logo o cheiro a canela e limão
que vinha da cozinha e se espalhava pela casa toda. Enquanto os bolos levedavam
a mãe já fazia o fermento e arranjava as batatas para o pão.
Depois dos bolos cozidos e arranjados com um pouco de manteiga para ficarem lustrosos, começava-se então a amassadura do pão.
Toda
esta azáfama era sempre docemente polvilhada com algumas cantigas de Natal, à
mistura com histórias de outros Natais que a mãe sempre contava. Nestas
histórias tinham lugar habitual os brindeiros e as laranjas que a avó dos
Barros oferecia aos netos na primeira oitava, as cantigas e brincadeiras do tempo dos avós e dos
tios das Fontes ou as antigas romarias da Noite de Natal que sempre nos
encantavam.
Entre as
cantigas apropriadas ao amassar do pão não podia faltar aquela que eu sempre
achei engraçada e me fazia imaginar a avó Silvéria toda sorridente às voltas
com uma amassadura de pão:
_
Minha mãe mandou-me à lenha
Trouxe
lenha de folhado
Toda
a noite queimou lenha
Com
o dentinho arreganhado.
Minha
mãe mandou-me à lenha
Trouxe
lenha de giesta
Minha
mãe ficou contente
Pra
amassar o pão da Festa.
Entre cantigas e um copo de vinho, (o jarro do
vinho não podia faltar em cima da mesa quando se amassava) lá se ia
tendendo o pão, esbraseando e varrendo o forno, para em seguida levar lá para
dentro com a pá, os maios e as rosquilhas já lêvedos e colocados em cima da
folha de couve, o que lhe conferia aquele sabor especial.
Porque
era da Festa, nesta amassadura de pão havia sempre as rosquilhinhas e os
brindeiros que a mãe tendia com toda a perfeição. O mais bonito dos brindeiros
era sempre para a tia que mais do que ninguém valorizava estas tradições, e a
mãe fazia-o mesmo com essa intenção.
E
enquanto o pão cozia, já se ia preparando as pudineiras e mexendo o bolo preto que
iria a cozer quando o calor do forno estivesse mais brando, depois de cozido
todo o pão.
A lida
só terminava depois de se limpar e arrumar a cozinha.
Ao fim
do dia o cansaço já era muito, mas sempre bem compensado pelo cheirinho a pão
fresco e a bolo preto cozido que nos fazia sentir verdadeiramente que logo
seria o Dia de Natal.
São momentos
e vivências que não se esquecem, lembranças muito estimadas que sempre farão
parte da nossa Festa e do nosso Natal.
Funchal,
23-12-2021
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