quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

É Natal, já cheira a pão fresco!...



O PÃO DA FESTA

O dia em que se amassava o pão da Festa era dia de azáfama e correria.

Na véspera era preciso pôr tudo pronto: a lenha de faia, fundamental para fazer o forno porque deixava o pão mais corado e bonito, e uns gravetos secos de pinheiro e umas pinhas ou um braçado de parreiras secas para o lume pegar melhor, e algumas também para arder depois na porta do forno e não deixar descair o calor enquanto o pão cozia lá dentro. 

As folhas de couve também ficavam melhor apanhadas de véspera porque assim já estavam meio murchas e mais fáceis de arranjar para colocar por baixo das rosquilhas, bem como umas folhas de bananeira que se ia buscar à Fonte de Baixo e que a mãe já cortava com a tesoura em bocados para colocar por baixo dos bolos doces ou bolos de noiva; as folhas de bananeira eram lisas, sem nervuras e deixavam a sola dos bolos mais lisinha. E não se podia esquecer de verificar se o cabo da pá estava em condições, arranjar o varredouro para varrer o forno e uma vara comprida também de faia para esbrasear, lavar o alguidar e a tendeira e às vezes a mãe já cozia a batata doce porque no outro dia podia não haver tempo. Era preciso ter estas coisas todas prontas antecipadamente para depois não atrapalhar a amassadura do pão.

A mãe levantava-se de madrugada para amassar os bolos doces porque demoravam mais tempo a levedar. Quando acordávamos sentíamos logo o cheiro a canela e limão que vinha da cozinha e se espalhava pela casa toda. Enquanto os bolos levedavam a mãe já fazia o fermento e arranjava as batatas para o pão.

Depois dos bolos cozidos e arranjados com um pouco de manteiga para ficarem lustrosos, começava-se então a amassadura do pão.


Toda esta azáfama era sempre docemente polvilhada com algumas cantigas de Natal, à mistura com histórias de outros Natais que a mãe sempre contava. Nestas histórias tinham lugar habitual os brindeiros e as laranjas que a avó dos Barros oferecia aos netos na primeira oitava, as cantigas e brincadeiras do tempo dos avós e dos tios das Fontes ou as antigas romarias da Noite de Natal que sempre nos encantavam.

Entre as cantigas apropriadas ao amassar do pão não podia faltar aquela que eu sempre achei engraçada e me fazia imaginar a avó Silvéria toda sorridente às voltas com uma amassadura de pão:

_ Minha mãe mandou-me à lenha

Trouxe lenha de folhado

Toda a noite queimou lenha

Com o dentinho arreganhado.

 

Minha mãe mandou-me à lenha

Trouxe lenha de giesta

Minha mãe ficou contente

Pra amassar o pão da Festa.

   Entre cantigas e um copo de vinho, (o jarro do vinho não podia faltar em cima da mesa quando se amassava) lá se ia tendendo o pão, esbraseando e varrendo o forno, para em seguida levar lá para dentro com a pá, os maios e as rosquilhas já lêvedos e colocados em cima da folha de couve, o que lhe conferia aquele sabor especial.

Porque era da Festa, nesta amassadura de pão havia sempre as rosquilhinhas e os brindeiros que a mãe tendia com toda a perfeição. O mais bonito dos brindeiros era sempre para a tia que mais do que ninguém valorizava estas tradições, e a mãe fazia-o mesmo com essa intenção.

E enquanto o pão cozia, já se ia preparando as pudineiras e mexendo o bolo preto que iria a cozer quando o calor do forno estivesse mais brando, depois de cozido todo o pão.

A lida só terminava depois de se limpar e arrumar a cozinha.

Ao fim do dia o cansaço já era muito, mas sempre bem compensado pelo cheirinho a pão fresco e a bolo preto cozido que nos fazia sentir verdadeiramente que logo seria o Dia de Natal.

São momentos e vivências que não se esquecem, lembranças muito estimadas que sempre farão parte da nossa Festa e do nosso Natal.

 

Funchal, 23-12-2021

 

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