domingo, 14 de outubro de 2018

Sabedoria popular


PREVISÃO DO TEMPO

As previsões do tempo não chegavam a todos ou então poucos se guiavam por elas. Avisos e alertas meteorológicos ainda não tinham entrado na moda; ciclones e furacões só aconteciam por longínquas paragens, lugares desconhecidos dos quais só sabiam o nome aqueles que tinham tido a sorte de ter andado na escola e aprendido um pouco de geografia, guardando na memória os nomes que tinham lido no planisfério. Mas o povo tinha a sua sabedoria, sabia ler os sinais que indicavam chuva, vento ou bom tempo, tudo em função dos trabalhos agrícolas, aproveitando as melhores condições climatéricas para semear, plantar ou colher “a novidade”.

Vargem de Cima 2019
O pai era um excelente conhecedor destas previsões do tempo. Logo na passagem do ano sabia ver em que lado tinha ficado o tempo, se a norte, se a sul, ou noutro ponto cardeal qualquer; com esse conhecimento já previa se o ano que se iniciava iria ser bom ou menos bom, se seria chuvoso ou não, e normalmente as suas previsões eram acertadas.

Nós acreditávamos e levávamos a sério este saber do pai. De modo algum, nos passava pela cabeça questionar, mas muitas vezes me perguntava como era que o pai sabia aquelas coisas e acertava sempre no tempo que iria fazer. E era mesmo assim que acontecia.

Quando o pai olhava para o Pico das Barbas de Bode e via o cume tapado com uma nuvem, logo dizia que vinha chuva. Às vezes dizia que o tempo se tinha metido lá em baixo no Calhau e que não tardava a chover. Mas quando dizia que o tempo estava na Bica da Cana, já se sabia que haveria de chover dias a fio.

Dia e noite a chuva caía com força e não dava tréguas, o tempo não clareava. De repente a ribeira vinha cheia, com a água quase a saltar por cima da ponte, com um enorme barulho que mesmo com as janelas fechadas ouvíamos na nossa casa. Olhávamos e víamos lá na serra a grande queda de água branca como algodão, e conseguíamos ver também a queda de água do Encontro e bem mais perto a queda de água do Poço da Carne, a transbordar por todo o lado. A ribeira enchia, levava consigo tudo o que encontrava nas suas margens e deixava tudo lavado e limpo.

Quando ouvíamos o pai dizer que o tempo estava de sul era certo e sabido que traria consigo chuva e vento forte.

O vento de sul não era para brincadeiras: zunia nos galhos dos pinheiros que até dava medo, arrancava as varas do feijão e levava pelo ar as telhas de canudo das casas mais antigas ou as folhas de zinco que tapavam os galinheiros; às vezes até as cumeeiras dos palheiros de palha iam pelo ar. Quase sempre faltava a luz elétrica mas era logo substituída pelo candeeiro a petróleo sempre pronto para estas ocasiões. E tinha mesmo muita graça cear à luz do candeeiro, enquanto nos ríamos divertidos com as sombras que fazíamos nas paredes da cozinha.

Era assim que acontecia no tempo em que não havia avisos meteorológicos nem tão pouco televisão onde pudéssemos ver as imagens de satélite com o movimento da chuva ou do vento. E quem, nesse tempo, iria supor ou imaginar que algum dia isso fosse possível?!...


Funchal, 14-10-2018

  

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