DIA DE FESTA
O
Dia de Natal era passado em família.
Logo de manhã, quando nos levantávamos, a mãe já tinha a mesa
posta com uma toalha nova especial para este Dia de Festa. Era uma matina
diferente da dos outros dias do ano: tinha o bolo preto, as broas de mel e os
biscoitos de manteiga, o pão de rosquilha e os bolos de noiva, a manteiga no
manteigueiro e o queijo redondo de casca cor-de-rosa; no armário não faltava a
garrafa da aguardente de caldeira (para oferecer um groguezinho a alguma
vizinha que chegasse!!!...) e o licor de baunilha que alguns dias antes a mãe
havia feito. Era uma alegria chegar à cozinha e encontrar a mesa assim cheia de
coisas boas. E às vezes a mãe ainda fazia a graça de nos dar a beber meio
copinho de licor, só porque era dia de Festa.
O almoço também era diferente do que estávamos habituados.
Primeiro vinha a canja de galinha, com massa de cabelo ou de
estrelinhas, e quase sempre trazia os ovinhos que estavam dentro da galinha;
como todos nós os queríamos a mãe sabiamente dividia-os igualmente pelos nossos
pratos e assim contentava a todos. Depois vinha a carne de galinha guisada com
semilhas americanas (das mais miudinhas porque ficavam mais gostosas), a carne de vinha d’alhos com aquele molhinho no fundo da
panela e o arroz branco com um pauzinho de canela que só a mãe sabia fazer.
O almoço decorria com calma, sem pressa porque o tempo assim
o permitia, e ninguém podia levantar-se da mesa enquanto o pai e a mãe não
acabassem de almoçar. Então vinha o momento de rezar pelos nossos avós e outros
familiares que já haviam partido deste mundo e agradecer ao Menino Jesus por
nos ter deparado a fartura que tínhamos à mesa neste Dia de Festa.
Depois do almoço passávamos o dia em casa. O Dia de Festa era
dia de estar em família e mesmo não ficava bem visitar quem quer que fosse
neste dia; nem à casa da madrinha podíamos ir. Os rapazes sempre conseguiam dar
uma fugida até ao largo da ponte, onde junto com outros rapazes nossos vizinhos
se entretinham a atirar bombas cujos estalos ouvíamos por todo o lado e até
retiniam quando as arremessavam para dentro da levada, entre a nossa casa e a
da vizinha do lado. Mas nós, as raparigas tínhamos mesmo que passar o dia todo
em casa o que era muito aborrecido, ainda mais se estivesse um daqueles dias de
Inverno. Entre uma fatia de bolo, umas broas ou um dentinho de queijo, lá se
passava o tempo, ouvindo as histórias que a mãe contava de outros natais e
sorrindo com as peripécias da mãe e dos tios quando eram pequenos em casa da
avó Silvéria nas Fontes, até que o tempo escurecia e chegava a noite.
A noite e o tempo frio sugeriam que nos agasalhássemos ainda
cedo dentro de casa; fechava-se a porta da cozinha e assim as conversas
continuavam à volta da mesa, no calor da lareira, enquanto a mãe aquecia o
jantar e fazia uma panela de chá preto (o verdadeiro chá do Ceilão que vinha
naquela caixinha cor-de-rosa) que todos bebíamos logo depois do jantar,
saboreando aquele travo especial e único. E como a noite era longa, ainda havia
tempo de sobra para uma partida do jogo da bisca em que o pai comandava a equipa;
como a bisca era de quatro, quem perdesse saía e entravam outros, mas o pai
jogava sempre.
Assim se passava mais um Dia de Festa, com verdadeiro
espírito de Natal!...
Funchal, 02-12-2017
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