segunda-feira, 25 de abril de 2016

Lembranças de Abril


O 25 DE ABRIL DE 1974

Andava eu no segundo ano do Ciclo Preparatório quando se deu o 25 de Abril.

Lembro-me de logo pela manhã, a mãe chegar da venda do padrinho a dizer-nos que em Lisboa tinha havido um golpe de estado e que os governantes tinham sido expulsos pelos militares.

Logo ligámos o rádio na cozinha para ouvirmos as notícias. A maior preocupação da mãe era Pedro que nessa altura estava a cumprir o serviço militar no Porto e não se sabia o que poderia ter acontecido também por lá. Ao longo do dia fomos ouvindo uma e outra vez a Grândola-Vila Morena, intercalada com as notícias que a todo o momento iam surgindo; assim ficámos a saber que Américo Tomás e Marcelo Caetano, vinham para a Madeira e daqui seguiriam para o Brasil.

No colégio, o Senhor Padre Ernesto explicava-nos a origem da palavra “fascismo”, o que significava “ditadura” e a palavra de que mais se falava, “liberdade”. Eu ouvia atentamente, ainda sem perceber muito bem o verdadeiro significado da revolução que estava a acontecer.

  Os dias que se seguiram foram de uma permanente angústia e ansiedade que só se acalmou quando uma semana depois recebemos uma carta de Pedro, dando conta de que estava bem e não tinha andado metido em confusões. A Grândola-Vila Morena continuava a passar inúmeras vezes na rádio e de tanto ouvir aquela canção, eu quase já a sabia de cor. Depois também passámos a ouvir a canção “Somos livres” que era a canção que eu mais gostava.

Aquela gaivota, com asas de vento e coração de mar, fazia voar o meu pensamento a imaginar o que seria realmente a liberdade.

Como ela também eu seria livre de voar!…


 

 


 








 


sábado, 23 de abril de 2016

À roda dos livros


O VÍCIO DOS LIVROS

Desde pequena, mesmo antes de andar na escola primária, sempre senti uma grande atracção por livros. Lembro-me de virar e revirar vezes sem conta as folhas dos livros de Pedro, o nosso irmão mais velho, que de vez em quando me lia algumas das histórias que lá vinham. Olhava aquelas imagens a preto e branco que ilustravam os textos, as figuras dos heróis, os reis e rainhas de Portugal com as suas coroas, e tudo isso despertava em mim o grande desejo de aprender a ler.

Depois que entrei para a primeira classe e aprendi a ler, eu lia tudo o que surgisse à frente dos meus olhos.

Na escola, para além dos textos que vinham nos meus livros, lia de fio a pavio a revista ”Fagulha” que a minha professora, a D. Fernandina Brazão, me emprestava para eu ir lendo quando terminava as tarefas mais rápido do que as outras alunas, enquanto esperava que também elas terminassem o seu trabalho.

Quando ia a casa da madrinha também aproveitava para ler; sentava-me na cadeira de vimes ao pé da janela da cozinha e lia o Diário de Notícias, a revista Flama e a Crónica Feminina. Às vezes, a madrinha falava-me do Júlio Dinis que muito admirava e dos seus livros que já tinha lido, principalmente a Morgadinha dos Canaviais e As Pupilas do Senhor Reitor; também já ouvia o padrinho falar do Eça de Queirós e do seu livro A Cidade e as Serras, bem como do proibido "O Crime do Padre Amaro".

Entretanto, quando ainda andava na escola primária, inscrevi-me na Biblioteca Itinerante da Gulbenkian e então pude entrar verdadeiramente no mundo dos livros. Tornei-me uma assídua frequentadora da Biblioteca que vinha de duas em duas semanas e parava no largo da Capela Velha, ao pé da igreja, emprestando livros a quem quisesse ler.

O senhor professor Góis, responsável pela Biblioteca, aconselhava-nos e indicava-nos quais os livros mais apropriados para a nossa idade. O máximo de livros que era permitido requisitar eram seis, eu trazia-os sempre todos e conseguia lê-los naquele intervalo de duas semanas.

Ainda me lembro dos livrinhos do Nody com as suas brincadeiras e imagens muito vistosas e do livro com ilustrações a preto e branco da Heidi cujas desventuras me faziam um aperto no coração, mas continuava a ler a história, sempre à espera do final feliz.

Já um pouco mais crescida, entrei n’As Aventuras dos Cinco, Os seis primos numa quinta, As meninas exemplares, Os desastres de Sofia e muitos outros, até que cheguei ao Júlio Dinis, às suas histórias e diferentes personagens que também me encantavam.

Livraria Cultura, na Avenida Paulista, cidade de São Paulo
E o gosto pelos livros continuou até hoje. Se há sítios onde me sinto mesmo bem é numa biblioteca ou livraria. Às vezes digo que numa outra vida devo ter sido bibliotecária ou algo semelhante, tal é o fascínio que os livros exercem sobre mim. Quando viajo, gosto de entrar nas livrarias para ver e manusear os livros e sempre encontro algum livro especial para trazer comigo.

Ler é uma das coisas que me dão mais prazer e não passo sem a leitura de um bom romance. Gosto de ler no silêncio da noite, absorvendo as palavras e desenhando imagens no meu pensamento, esquecendo a passagem das horas, como se o amanhã ainda demore a chegar.

Um livro é sempre um fiel amigo; quem lê um livro nunca se sente só!...

 

 

domingo, 17 de abril de 2016

Ao Cónego Ernesto


AO CÓNEGO ERNESTO FERNANDES DE FREITAS

É com a lágrima ao canto do olho que escrevo estas simples palavras.

Embora já tivesse conhecimento da partida do Cónego Ernesto, um arrepio percorreu-me a espinha mal comecei a ler a participação do seu funeral, sobretudo quando li “fundador e professor do antigo Externato São Vicente” e aqueles dois versos d’Os Lusíadas.

No meu tempo de aluna do Colégio Externato São Vicente sempre olhava para o Cónego Ernesto com muito respeito e admiração pela sua grande cultura e sabedoria e pelo modo inteligente como a transmitia nas suas aulas. Com ele aprendi as primeiras palavras na Língua Francesa, logo no primeiro ano do Ciclo Preparatório; até hoje sei de cor a letra da canção “Aprés toi”, canção que estava na moda nessa altura e foi ele que nos ensinou a cantar, pois também sabia música, cantava e tinha uma belíssima voz. Mas é sobretudo como professor de Português que o guardo na minha memória.

Será sempre um orgulho ter sido aluna deste grande professor que me ensinou quase tudo o que sei da minha língua materna, a Língua Portuguesa. Com ele aprendi a venerar a poesia de Camões na sua suprema obra “Os Lusíadas”. Aqueles sumários, fichas de trabalho que nos emprestava para analisarmos a obra nos seus principais aspectos (ideológico, mitológico e gramatical), não esquecendo as figuras de estilo que nos ensinou a descobrir, foram a base para o progressivo domínio do Português e serão sempre uma grata e saudosa lembrança.

Nas aulas do Cónego Ernesto aprendi a gostar de Literatura, desde Alves Redol e o seu “Constantino, guardador de vacas e de sonhos”, a Gil Vicente com a “Farsa de Inês Pereira”, passando por Eça de Queirós e os seus “Contos” que com gosto e empenho lemos e analisámos, bem como todos os outros autores portugueses que estudámos na nossa querida Selecta Literária, o nosso livro de Português.

Também devo a este excelente professor o domínio que hoje tenho sobre a Gramática Portuguesa. Eu adorava quando nos ensinava o porquê de determinadas palavras se escreverem desta e não daquela maneira. O Cónego Ernesto tinha grandes conhecimentos do Grego e do Latim e explicava-nos a origem da nossa Língua e todos aqueles fenómenos de formação e evolução das palavras.

Nos últimos anos costumava conversar com ele quando às vezes o encontrava na Igreja de São Pedro. As nossas conversas eram sempre sobre o Português, o Novo Acordo Ortográfico e a Nova Terminologia da Gramática. Eram sempre pequenos momentos interessantes e, se mais tempo houvesse mais teríamos para conversar.

Saiba, Senhor Cónego Ernesto, que mesmo não estando mais entre nós, será sempre uma referência na minha vida e nunca esquecerei todas as coisas boas que me ensinou e que eu com todo o gosto sempre aprendi.

Para mim foi um privilégio ter sido sua aluna e ser-lhe-ei eternamente grata!...

 

 

 

 
 

 

sábado, 16 de abril de 2016

Aventuras no Ribeirão

 
A CAMINHO DO RIBEIRÃO
            A nossa terra do Ribeirão era a que tínhamos mais longe de casa.

O pai contava que no seu tempo de rapaz, o seu pai - o avô Manuel António - costumava lá plantar feijão, mas no nosso tempo de pequenos isso já não acontecia. Como ficava um pouco longe, o pai não plantava lá nada; apenas tinha pereiros, daqueles de pêros rosados e cheirosos que davam para nós comermos e também deles se fazia a sidra ou o vinho de pêros, como então se dizia.

Por altura do Verão, o pai costumava ir uns dias ao Ribeirão, roçar o mato debaixo dos pereiros para que quando os pêros começassem a crescer os ratos não os viessem a roer todos. O pai ia logo de manhã e depois nós também lá íamos levar-lhe o almoço.

Como estas idas ao Ribeirão só aconteciam por esta altura do ano, revestiam-se quase sempre de um pouco de aventura, com peripécias engraçadas que de vez em quando saltitam no fio da nossa memória e nos fazem sorrir de saudade.

Algumas vezes acontecia irmos pelo Lombo do Atalho adentro, subindo o Lombo Pereira até chegarmos ao nosso destino, mas este era um caminho mais longo, logo mais demorado e por isso não podíamos perder tempo com brincadeiras porque o pai já estava à espera do almoço.

Das outras vezes íamos pelas Soqueiras porque demorava menos tempo. Subíamos pelas Lajas e assim que descíamos o Lombinho da Sequiada parecia-nos que tínhamos entrado num outro mundo. Dali já não se avistavam as casas do Cabo da Vargem e do Estreito e não se encontrava vivalma; o silêncio envolvia-nos como que a convidar-nos a apreciar aqueles campos que já não cheiravam a terra cultivada porque ninguém os plantava, mas sim às ervas verdes e outras plantas silvestres que por ali proliferavam.

Então vinham ao nosso pensamento as histórias de bruxas e feiticeiras que o pai nos costumava contar, naquelas noites em que desbulhávamos o feijão ou nas longas noites de Inverno; com algum receio e sempre atentos, olhávamos para um lado e para outro, não fosse aparecer à nossa frente o tal gato misterioso que um dia o pai tinha visto dentro de um palheiro por aqueles lados, um inofensivo gatinho pequeno que foi crescendo, crescendo e se tornou gigante com uns enormes olhos arregalados.
 

À medida que íamos fazendo o caminho das Soqueiras, parávamos aqui e ali colhendo amoras de silvado e morangos silvestres, daqueles pequeninos que se escondiam no meio das ervas e que nem sempre eram fáceis de encontrar. Tínhamos que procurar bastante os pés de morangueiro por dentro das ervas e quando encontrávamos os morangos vermelhinhos era sempre uma alegria.

Já mais próximo do Ribeirão tínhamos por hábito dar uns apupos bem fortes que retiniam lá muito à frente, no chão de pinheiros das Voltas. Era uma sensação mágica ouvir a nossa voz a voltar para nós, como se de lá longe alguém nos estivesse a responder. 

Chegados ao nosso destino almoçávamos à sombra dos pereiros. Depois, e apesar das tarefas que o pai sempre destinava, ainda havia tempo para brincadeiras e risotas, ali na beirinha da levada que passava mesmo encostada à nossa terra.

Pela tarde regressávamos a casa felizes, contentes e bem descontraídos por estes bons momentos em que nos sentíamos completamente soltos e livres, enquanto percorríamos o caminho até ao nosso Ribeirão.


 


 
 

 

sábado, 9 de abril de 2016

Lembranças das Fontes


A CASA DA AVÓ

No sítio das Fontes ficava a casa da avó Silvéria, a nossa avó materna; lá nasceram e cresceram os nossos tios e a nossa mãe a quem todos, com muita estima, chamavam a Teresinha das Fontes.

Quando lá íamos, assim que descíamos uma parte do caminho a que chamávamos os Loirinhos logo se lhe via o telhado. Era mesmo ao nível do caminho e da levada, separada apenas por uma sebe de buxo. Como todas as casas desse tempo, tinha um terreiro de pedra calçada e uns canteiros desenhados com relva, onde havia uma velha parreira que se agarrava ao beiral da casa, cobrindo uma parte do terreiro e fazendo sombra nos quentes dias de verão. Para cima da levada, até à laja da ribeira e para baixo da casa tinha latadas de vinha e lá mais abaixo a fonte. Esta era uma fonte diferente pois não tinha torneira. Era uma nascente que formava um poço minúsculo, onde a água sempre fresca saía continuamente da terra e corria por dentro dos vimieiros e dos pés de inhame, sumindo-se depois por lá abaixo; era àquela fonte que todos iam buscar água.

Desde que me lembro, fui habituada a ir às Fontes. A mãe contava que sempre que lá ia visitar a avó, costumava levar-me ainda pequena do colo, aconchegada no seu xaile, embora disso eu não me lembre. Mas tenho bem nítida na minha memória a imagem de ir de mão dada com a mãe a descer as passadas de pedra, pela vinha do tio Manuel abaixo, e a tia que tinha chegado de São Jorge, a vir ao nosso encontro pelo caminho para cá; nunca me saiu da lembrança a mãe me pegar ao colo para dar um beijo na tia e eu muito envergonhada escondi-me no colo da mãe para não lhe dar o beijo.

Também me recordo muito bem de uma outra vez em que ia de mão dada com a mãe a chegar a casa da avó e ela já vinha ao nosso encontro, trazendo na mão uma fatia de pão com doce de amora para me dar.

Depois de um pouco mais crescidinha já sabia ir às Fontes sozinha.

A mãe mandava-nos, eu e Agostinho, e lá íamos os dois, também a casa do tio Manuel, mesmo ao lado de cima da casa da avó. Parece que estou a ver-nos subindo os degraus da casa do tio, e o Volvo, o cão que já era um pouco velhote, a olhar-nos do terreiro, no cimo das escadas; e logo chegava a tia Antónia que gostava muito da nossa visita. Então levava-nos pelo terreiro da cozinha, – à luz dos nossos olhos aquele terreiro era muito comprido, - e íamos até junto do poço de lavar roupa, onde o tio tinha uns pés de cana doce. A tia apanhava umas canas, descascava, partia aos bocadinhos e dava-nos para irmos trincando. Nós ficávamos muito contentes e quando chegávamos a casa contávamos à mãe como tinha sido a nossa visita a casa do tio Manuel, aquele tio alegre e divertido, de quem nós muito gostávamos.

São momentos simples mas felizes que para sempre ficarão guardados na lembrança e o sítio das Fontes, um lugar que sempre fará parte da nossa história.

 
 

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Vamos a São Jorge


PASSEIOS A SÃO JORGE

Em tempo de férias, muitas vezes a tia levava-me com ela para passar uns dias em São Jorge, onde desenvolvia a sua missão de enfermeira.

Inicialmente, íamos na camioneta do Acúrcio que saía da vila de São Vicente e ia até São Roque do Faial, mas depois a tia comprou o seu Carocha e então eu ia com ela, toda vaidosa e sentindo-me muito importante porque ia sentada ao seu lado, na cadeira da frente. Assim podia ver todos os pormenores da paisagem, daqueles lugares por onde só passava lá de tempos a tempos.
 
Numa destas viagens, quando íamos a passar pela Fajã da Areia, enquanto olhava para o mar, vi uma lancha com alguém que andava por ali à pesca; toda entusiasmada eu disse à tia que olhasse, porque estava a ver um barquinho no mar. A tia, muito concentrada na sua condução disse logo que não podia olhar porque ia a conduzir; eu fiquei a pensar se deveria ser mesmo assim, se quem vai a guiar um carro só deve olhar para a frente e não para os lados, mas não devo ter acreditado lá muito, ou então não teria guardado este episódio na minha memória.

Assim que chegávamos a São Jorge, uma das primeiras coisas a fazer era ir a casa do senhor Doutor Leonel Mendonça com quem a tia trabalhava, para que ele e a senhora D. Constança me vissem. E eu, toda envergonhada e vermelha até às orelhas, tinha que cumprimentá-los com um beijo, obedecendo às ordens da tia que não gostava  de artices e baboseiras, como ela mesma dizia.

Os dias eram passados entre São Jorge e Santana. Todos os dias a tia ia com o senhor doutor visitar os doentes e levavam-me com eles no carro.

Enquanto estávamos em Santana, a tia levava-me a uma loja de roupas que lá havia e comprava-me sempre várias coisas; depois entrava numa outra loja, comprava-me cadernos com uns desenhos na capa, como então estava na moda e eu ficava toda encantada.

Quando à noite regressava novamente para São Jorge e assim que me via com todas aquelas coisas que a tia me tinha comprado, eu queria logo voltar para casa e, por mais que tentasse, a tia não conseguia convencer-me a ficar mais tempo. Dizia que tinha saudades de casa, mas na verdade o que eu queria era mostrar às minhas amigas as coisas novas que tinha. Então, a tia lá arranjava maneira de me vir trazer a São Vicente; e as minhas férias em São Jorge que deveriam prolongar-se por duas ou três semanas, duravam apenas alguns dias. Eu gostava mesmo era de estar na nossa casa.

Lá na outra dimensão, onde agora se encontra rodeada de anjos e querubins, e ouvindo-me falar destas lembranças, a tia certamente deverá estar a dizer, daquela forma tão peculiar que só ela mesma o fazia:

 -“Pois olha!!!... “   

 

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Com mel no bico...


NO TEMPO DOS FIGOS
Quando vejo figos por aí à venda, inevitavelmente lembro-me da mãe. A mãe adorava figos, e para reforçar a sua predilecção por este fruto dizia mesmo,  – “gosto de figos à vontade!...”

É incrível como a visão da simples imagem de uns figos bem apetitosos, ali na frutaria ao pé de casa, me fez despertar aquela saudade, tão grande que até parece doer no peito. Então lembrei-me do tempo em que ainda pequena ia com Agostinho, apanhar figos.

 Descíamos pela Rochinha abaixo ainda cedo, de cesto enfiado no braço e às vezes a caçarolinha, e lá íamos às figueiras das Fontes. Tinha que ser assim pela fresquinha, enquanto o sol não aquecia muito, porque logo que ficava mais quente as lagartixas andavam nos galhos e nós ficávamos com medo de subir.

As figueiras das Fontes ficavam na beira da ribeira, a maior delas bem por cima de um poço comprido e fundo que nos metia medo. A mãe avisava sempre para não irmos para o lado do poço porque podíamos cair, então nós subíamos apenas aos ramos grandes que davam para cima da laja de pedra. Com um gancho de urze que o pai tinha arranjado, lá íamos puxando os galhos e apanhando com cuidado os figos que já estivessem arregoados e com mel no bico, embora às vezes lá viesse um ou outro ainda meio empandeirado. Depois íamos às figueiras mais pequenas, uma delas a figueirinha da avó; nestas não era preciso subir, mesmo de roda apanhávamos os figos que eram doces de verdade. Enquanto se enchia o cesto também comíamos alguns e chegávamos a casa já com a barriga cheia. A mãe logo comia uns dois ou três, e os outros ficavam para se ir comendo depois do almoço e à tarde; figos com pão era mesmo uma delícia, ainda mais se fosse com pão de casa.


Este ritual repetia-se todos os dias enquanto houvesse figos, tanto nas figueiras das Fontes como na do Lombo do Cantaria que também dava uns figos muito doces e saborosos.

E para este tempo dos figos a mãe, como sempre, tinha as suas apropriadas histórias e provérbios para contar.

Uns comem os figos e os outros arregoam-lhe os beiços.