sexta-feira, 1 de abril de 2016

Com mel no bico...


NO TEMPO DOS FIGOS
Quando vejo figos por aí à venda, inevitavelmente lembro-me da mãe. A mãe adorava figos, e para reforçar a sua predilecção por este fruto dizia mesmo,  – “gosto de figos à vontade!...”

É incrível como a visão da simples imagem de uns figos bem apetitosos, ali na frutaria ao pé de casa, me fez despertar aquela saudade, tão grande que até parece doer no peito. Então lembrei-me do tempo em que ainda pequena ia com Agostinho, apanhar figos.

 Descíamos pela Rochinha abaixo ainda cedo, de cesto enfiado no braço e às vezes a caçarolinha, e lá íamos às figueiras das Fontes. Tinha que ser assim pela fresquinha, enquanto o sol não aquecia muito, porque logo que ficava mais quente as lagartixas andavam nos galhos e nós ficávamos com medo de subir.

As figueiras das Fontes ficavam na beira da ribeira, a maior delas bem por cima de um poço comprido e fundo que nos metia medo. A mãe avisava sempre para não irmos para o lado do poço porque podíamos cair, então nós subíamos apenas aos ramos grandes que davam para cima da laja de pedra. Com um gancho de urze que o pai tinha arranjado, lá íamos puxando os galhos e apanhando com cuidado os figos que já estivessem arregoados e com mel no bico, embora às vezes lá viesse um ou outro ainda meio empandeirado. Depois íamos às figueiras mais pequenas, uma delas a figueirinha da avó; nestas não era preciso subir, mesmo de roda apanhávamos os figos que eram doces de verdade. Enquanto se enchia o cesto também comíamos alguns e chegávamos a casa já com a barriga cheia. A mãe logo comia uns dois ou três, e os outros ficavam para se ir comendo depois do almoço e à tarde; figos com pão era mesmo uma delícia, ainda mais se fosse com pão de casa.


Este ritual repetia-se todos os dias enquanto houvesse figos, tanto nas figueiras das Fontes como na do Lombo do Cantaria que também dava uns figos muito doces e saborosos.

E para este tempo dos figos a mãe, como sempre, tinha as suas apropriadas histórias e provérbios para contar.

Uns comem os figos e os outros arregoam-lhe os beiços.

 

                 

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