sábado, 16 de abril de 2016

Aventuras no Ribeirão

 
A CAMINHO DO RIBEIRÃO
            A nossa terra do Ribeirão era a que tínhamos mais longe de casa.

O pai contava que no seu tempo de rapaz, o seu pai - o avô Manuel António - costumava lá plantar feijão, mas no nosso tempo de pequenos isso já não acontecia. Como ficava um pouco longe, o pai não plantava lá nada; apenas tinha pereiros, daqueles de pêros rosados e cheirosos que davam para nós comermos e também deles se fazia a sidra ou o vinho de pêros, como então se dizia.

Por altura do Verão, o pai costumava ir uns dias ao Ribeirão, roçar o mato debaixo dos pereiros para que quando os pêros começassem a crescer os ratos não os viessem a roer todos. O pai ia logo de manhã e depois nós também lá íamos levar-lhe o almoço.

Como estas idas ao Ribeirão só aconteciam por esta altura do ano, revestiam-se quase sempre de um pouco de aventura, com peripécias engraçadas que de vez em quando saltitam no fio da nossa memória e nos fazem sorrir de saudade.

Algumas vezes acontecia irmos pelo Lombo do Atalho adentro, subindo o Lombo Pereira até chegarmos ao nosso destino, mas este era um caminho mais longo, logo mais demorado e por isso não podíamos perder tempo com brincadeiras porque o pai já estava à espera do almoço.

Das outras vezes íamos pelas Soqueiras porque demorava menos tempo. Subíamos pelas Lajas e assim que descíamos o Lombinho da Sequiada parecia-nos que tínhamos entrado num outro mundo. Dali já não se avistavam as casas do Cabo da Vargem e do Estreito e não se encontrava vivalma; o silêncio envolvia-nos como que a convidar-nos a apreciar aqueles campos que já não cheiravam a terra cultivada porque ninguém os plantava, mas sim às ervas verdes e outras plantas silvestres que por ali proliferavam.

Então vinham ao nosso pensamento as histórias de bruxas e feiticeiras que o pai nos costumava contar, naquelas noites em que desbulhávamos o feijão ou nas longas noites de Inverno; com algum receio e sempre atentos, olhávamos para um lado e para outro, não fosse aparecer à nossa frente o tal gato misterioso que um dia o pai tinha visto dentro de um palheiro por aqueles lados, um inofensivo gatinho pequeno que foi crescendo, crescendo e se tornou gigante com uns enormes olhos arregalados.
 

À medida que íamos fazendo o caminho das Soqueiras, parávamos aqui e ali colhendo amoras de silvado e morangos silvestres, daqueles pequeninos que se escondiam no meio das ervas e que nem sempre eram fáceis de encontrar. Tínhamos que procurar bastante os pés de morangueiro por dentro das ervas e quando encontrávamos os morangos vermelhinhos era sempre uma alegria.

Já mais próximo do Ribeirão tínhamos por hábito dar uns apupos bem fortes que retiniam lá muito à frente, no chão de pinheiros das Voltas. Era uma sensação mágica ouvir a nossa voz a voltar para nós, como se de lá longe alguém nos estivesse a responder. 

Chegados ao nosso destino almoçávamos à sombra dos pereiros. Depois, e apesar das tarefas que o pai sempre destinava, ainda havia tempo para brincadeiras e risotas, ali na beirinha da levada que passava mesmo encostada à nossa terra.

Pela tarde regressávamos a casa felizes, contentes e bem descontraídos por estes bons momentos em que nos sentíamos completamente soltos e livres, enquanto percorríamos o caminho até ao nosso Ribeirão.


 


 
 

 

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