AS FÉRIAS GRANDES
As férias eram mesmo grandes, pois a escola terminava no fim
de Junho e só recomeçava a sete de Outubro. Havia tempo para fazer tudo e mais
alguma coisa e também havia tempo para me sentir aborrecida por não ter nada
para fazer.
Para mim, que sempre gostei de andar na escola, as férias
grandes pareciam não ter fim e aguardava ansiosamente a chegada do mês de
Outubro, para começar na classe seguinte. Então, nesses tempos de completa
malandrice em que as horas custavam a passar, entretinha-me com a leitura dos
livros da Biblioteca da Gulbenkian, fazia cópias, mais cópias e palavras
difíceis até encher um caderno, e escrevia vezes e mais vezes os nomes
completos do pai, da mãe e de nós todos com as respectivas datas de nascimento.
Às vezes metia-me sorrateira dentro de casa, ia à gaveta da mesa da sala e lia
e relia vezes sem conta as cartas e os postais das primas da Venezuela e dos
tios do Brasil. Depois dava uma volta até à casa da madrinha, lia o Diário de
Notícias, a revista Flama e até a Crónica Feminina, e ia ouvindo as histórias
que a madrinha contava enquanto descascava o feijão ou as semilhas para a sopa,
fazia crochet ou bordava a ponto de corda a letra inicial do seu nome nas toalhas
da cozinha.
Assim que as ameixas da nossa ameixieira da porta da loja
começavam a luzir eu começava a trincá-las ainda meio esverdeadas – só de me
lembrar já me cresce água na boca! - mas quando já estavam vermelhas eu subia à
ameixieira várias vezes ao dia. Não sei como conseguia, mas a verdade é que subia
bem até à ponta da ameixieira que para o meu tamanho era bastante alta. Quando
estava lá em cima achava engraçado ver, por cima do telhado da casa da
madrinha, as casas do lado do Estreito que não se conseguia ver das janelas da
nossa casa.
Pelo meio de tudo isto, ainda havia o tempo dedicado aos meus
bordados, o ponto de cruz e o ponto do diabo, e bordava sempre um pano de
tabuleiro para oferecer à tia ou para mandar às primas da Venezuela.
Mais à tarde, quando o calor já tinha abrandado, havia as tarefas
da fazenda: ajudar o pai a regar o feijão – eu ficava na beira da cerca a ver
quando a água chegava para dizer ao pai que podia andar com a água para a
frente -, escolher os tremoços no meio da palha, quando o pai malhava os
tremoceiros secos, debaixo do castanheiro nas Fajãs, ou mondar o côco nos regos
de rama das batatas, no Lombo, na terra onde se tinha ceifado o trigo.
À noite, como não havia televisão, sentávamo-nos no terreiro
e encantávamo-nos com as histórias que o pai contava, desde A Cigarra e a
Formiga, em verso, até às histórias do Brasil e do Curaçau.
Eram verdadeiramente férias grandes, felizes e
despreocupadas, mas eu continuava a contar os dias que faltavam para voltar à
escola.