DOMINGO DE PÁSCOA
O Domingo de Páscoa era sempre um domingo diferente dos
outros. Tinha uma atmosfera especial que até hoje continua impregnada na minha
memória e na minha alma.
A lida começava logo de manhã. A mãe levantava-se cedo para
ir à missa da manhã e, a não ser que não lhe desse tempo, já deixava o café
feito para a matina e destinava o que cada um de nós teria de fazer enquanto
estivesse na missa. Quando chegava, nós já havíamos tomado o pequeno-almoço e
era hora de nos apastorarmos para irmos à missa do dia.
O primeiro a se arranjar tinha que ser o pai porque demorava
mais tempo. Enquanto fazia a barba, a mãe preparava-lhe a roupa e muitas vezes
ainda tinha que lhe engomar a camisa branca porque não tinha tido tempo durante
a semana. E lá ia o pai todo vaidoso, de camisa branca, fato azul-escuro às
riscas muito fininhas, gravata a condizer e chapéu cinzento-escuro. Antes de
sair de casa a mãe ainda lhe lembrava que não se esquecesse do dinheiro para
pagar a “desobriga”.
Depois também nós nos arranjávamos e íamos para a missa
enquanto a mãe ficava em casa a fazer o almoço.
A missa era sempre uma cerimónia bonita. Primeiro saía a
procissão em que as pequenas vestidas de branco iam à frente e uma delas levava
a cruz. Eu ia sempre na procissão e muito desejava que um dia fosse eu a levar
a cruz, mas como era pequena nunca era escolhida e por isso, não cheguei a
concretizar esse desejo.
Logo depois das pequenas vinham os irmãos do Santíssimo
Sacramento com as suas capas vermelhas, dois deles levando as bandeirinhas do
Espírito Santo, por fim o pálio dourado e o senhor padre também paramentado com
a capa dourada. Pela ponte adentro, enquanto passava a procissão, o cheiro a
musgo e a alecrim misturava-se com o aroma das variadas flores com que as
raparigas tinham desenhado o bonito tapete para a passagem do Senhor
Ressuscitado.
A procissão entrava na igreja com todo o povo entoando o
cântico “Ressuscitou”; lá dentro, o Círio Pascal e todas as luzes acesas faziam
brilhar emoções; o cheiro a incenso chegava ao mais recôndito canto da alma.
Depois das cerimónias chegávamos a casa e a mãe já tinha o
almoço pronto: um galo guisado com semilhas novas rapadas e aquele arroz branco
com uma rachinha de canela, que só a mãe sabia fazer.
O almoço era servido quando estivéssemos todos à mesa e o pai
não admitia que algum de nós se atrasasse; era uma regra que tínhamos que
cumprir, não só no Domingo de Páscoa, mas também nos outros domingos do ano: a
família toda à mesa para almoçar. A mãe primeiro servia a todos começando pelo
pai e, como tal, era sempre a última a se sentar.
Depois do almoço vinham as brincadeiras próprias deste tempo
da Quaresma. Nós as pequenas jogávamos às cinco pedrinhas e às prendas ou ao
jogo do raminho. Os rapazes entretinham-se no jogo do pião.
Assim se passava o Domingo de Páscoa!...
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