A VIAGEM DA TIA AO BRASIL
Em finais do ano de mil novecentos e setenta e um, quando eu
andava na quarta classe, a tia fez a sua primeira viagem ao Brasil. Para nós,
ainda pequenos, esta viagem foi o acontecimento do ano, pois em casa não
falávamos de outra coisa.
A tia partiu em Novembro, no navio Franca C e a viagem até ao
porto de Santos demorou duas semanas. Enquanto não tivemos notícias da sua
chegada ao Brasil, vivemos todos numa grande ansiedade, até que finalmente o
carteiro nos trouxe uma carta, dando conta de que a viagem tinha corrido bem e
da alegria pelo encontro com os tios.
Durante o tempo em que a tia permaneceu em terras brasileiras,
mais de três meses, nós por cá íamos imaginando e falando sobre o que estaria a
acontecer por lá e o que andaria a tia a fazer.
Pelo Natal chegou o postal de boas festas contando como os
tios iriam viver este Natal, tão especial porque a tia também lá estava. Depois
vieram outras cartas, o que para nós era sempre uma alegria: assim ficávamos a
saber das novidades e íamos acompanhando a viagem, contando os meses que ainda
faltavam para a tia voltar.
Nessa época estava na moda aquela cantiga “Eu te amo meu
Brasil” que todos os dias passava na música pedida do Posto Emissor do Funchal.
Nós tínhamos o rádio na cozinha e ficávamos sempre à espera que essa cantiga
fosse pedida; assim que ela surgia fazíamos uma enorme algazarra, cantando e batendo
palmas, todos contentes e felizes pensando na tia que estava no Brasil; e a mãe,
feliz porque a tia estava com os seus irmãos que há anos haviam partido, também
ajudava à nossa festa.
A tia regressou no mês de Março e veio outra vez de navio. A mãe
e Pedro foram ao Funchal, esperar o navio na Pontinha. Nós ficámos em casa
esperando, ansiosos e felizes, pensando que a tia nos havia de trazer qualquer
prenda.
Parecia outra a nossa
tia. Chegou com um novo visual, mudara a cor do cabelo para um castanho dourado
- quando lhe perguntámos porque tinha o cabelo daquela cor, dizia que era do
sol que tinha apanhado e nós acreditávamos - e os ares do Brasil tinham-lhe
feito mesmo muito bem.
E não nos enganámos. Trouxe um grande caixote cheio de coisas
para todos. Para além do café com aquele aroma inconfundível que enchia toda a
casa, também nos trouxe roupas, um mapa do Brasil, uma enciclopédia onde
poderíamos aprender tudo sobre os estados brasileiros, cidades, monumentos,
folclore e outras curiosidades; não poderia faltar a imagem da Nossa Senhora da
Aparecida, com o manto azul cheio de brilhantes, e ainda outras coisas que os
tios nos tinham mandado.
Na bagagem vieram também muitas fotografias dos tios e dos
primos bem como dos lugares por onde a tia andou a passear. E junto com as
fotografias vieram muitas histórias que nós ouvíamos atentamente, desenhando na
nossa imaginação esses lugares e acontecimentos que a tia com tanta emoção nos
descrevia.
Acompanhámos entusiasmados a grande festa que houve no navio
quando passaram a linha do Equador e como também a tia tinha participado nela.
Sentimos o encanto da viagem que a tia fez juntamente com o tio Agostinho à
moderna capital Brasília, a Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais e
ao Rio de Janeiro. Em Petrópolis deixámo-nos deslumbrar pela beleza do Palácio
Imperial e pelas histórias do Imperador D. Pedro. Olhámos maravilhados as belas
cachoeiras de Poços de Caldas. Vimos os passeios na praia de Santos com os
primos Ramiro e Filomena e ouvimos as gargalhadas da Silvéria, da Valéria e do
Toninho, em casa do tio António no Riacho Grande.
Assim começou a crescer dentro de nós aquele grande desejo de
também um dia atravessar o oceano até ao Brasil, ao encontro de tios e primos
que tal como nós são ramos da árvore da nossa vida.
Assim será sempre lembrada a primeira viagem da tia ao
Brasil.
Que bonito... histórias d'além mar...
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