sábado, 12 de março de 2016

Meu Brasil

A VIAGEM DA TIA AO BRASIL
 
Em finais do ano de mil novecentos e setenta e um, quando eu andava na quarta classe, a tia fez a sua primeira viagem ao Brasil. Para nós, ainda pequenos, esta viagem foi o acontecimento do ano, pois em casa não falávamos de outra coisa.

A tia partiu em Novembro, no navio Franca C e a viagem até ao porto de Santos demorou duas semanas. Enquanto não tivemos notícias da sua chegada ao Brasil, vivemos todos numa grande ansiedade, até que finalmente o carteiro nos trouxe uma carta, dando conta de que a viagem tinha corrido bem e da alegria pelo encontro com os tios.

Durante o tempo em que a tia permaneceu em terras brasileiras, mais de três meses, nós por cá íamos imaginando e falando sobre o que estaria a acontecer por lá e o que andaria a tia a fazer.

Pelo Natal chegou o postal de boas festas contando como os tios iriam viver este Natal, tão especial porque a tia também lá estava. Depois vieram outras cartas, o que para nós era sempre uma alegria: assim ficávamos a saber das novidades e íamos acompanhando a viagem, contando os meses que ainda faltavam para a tia voltar.

Nessa época estava na moda aquela cantiga “Eu te amo meu Brasil” que todos os dias passava na música pedida do Posto Emissor do Funchal. Nós tínhamos o rádio na cozinha e ficávamos sempre à espera que essa cantiga fosse pedida; assim que ela surgia fazíamos uma enorme algazarra, cantando e batendo palmas, todos contentes e felizes pensando na tia que estava no Brasil; e a mãe, feliz porque a tia estava com os seus irmãos que há anos haviam partido, também ajudava à nossa festa.

A tia regressou no mês de Março e veio outra vez de navio. A mãe e Pedro foram ao Funchal, esperar o navio na Pontinha. Nós ficámos em casa esperando, ansiosos e felizes, pensando que a tia nos havia de trazer qualquer prenda.

 Parecia outra a nossa tia. Chegou com um novo visual, mudara a cor do cabelo para um castanho dourado - quando lhe perguntámos porque tinha o cabelo daquela cor, dizia que era do sol que tinha apanhado e nós acreditávamos - e os ares do Brasil tinham-lhe feito mesmo muito bem.


A tia Maria Segunda e o tio Agostinho juntos no Natal em Santos
E não nos enganámos. Trouxe um grande caixote cheio de coisas para todos. Para além do café com aquele aroma inconfundível que enchia toda a casa, também nos trouxe roupas, um mapa do Brasil, uma enciclopédia onde poderíamos aprender tudo sobre os estados brasileiros, cidades, monumentos, folclore e outras curiosidades; não poderia faltar a imagem da Nossa Senhora da Aparecida, com o manto azul cheio de brilhantes, e ainda outras coisas que os tios nos tinham mandado.


Na bagagem vieram também muitas fotografias dos tios e dos primos bem como dos lugares por onde a tia andou a passear. E junto com as fotografias vieram muitas histórias que nós ouvíamos atentamente, desenhando na nossa imaginação esses lugares e acontecimentos que a tia com tanta emoção nos descrevia.


Acompanhámos entusiasmados a grande festa que houve no navio quando passaram a linha do Equador e como também a tia tinha participado nela. Sentimos o encanto da viagem que a tia fez juntamente com o tio Agostinho à moderna capital Brasília, a Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais e ao Rio de Janeiro. Em Petrópolis deixámo-nos deslumbrar pela beleza do Palácio Imperial e pelas histórias do Imperador D. Pedro. Olhámos maravilhados as belas cachoeiras de Poços de Caldas. Vimos os passeios na praia de Santos com os primos Ramiro e Filomena e ouvimos as gargalhadas da Silvéria, da Valéria e do Toninho, em casa do tio António no Riacho Grande.

Assim começou a crescer dentro de nós aquele grande desejo de também um dia atravessar o oceano até ao Brasil, ao encontro de tios e primos que tal como nós são ramos da árvore da nossa vida.

Assim será sempre lembrada a primeira viagem da tia ao Brasil.


 
 
   

 

  
  

 


  

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