terça-feira, 8 de março de 2016

Férias de verão


AS FÉRIAS GRANDES

As férias eram mesmo grandes, pois a escola terminava no fim de Junho e só recomeçava a sete de Outubro. Havia tempo para fazer tudo e mais alguma coisa e também havia tempo para me sentir aborrecida por não ter nada para fazer.

Para mim, que sempre gostei de andar na escola, as férias grandes pareciam não ter fim e aguardava ansiosamente a chegada do mês de Outubro, para começar na classe seguinte. Então, nesses tempos de completa malandrice em que as horas custavam a passar, entretinha-me com a leitura dos livros da Biblioteca da Gulbenkian, fazia cópias, mais cópias e palavras difíceis até encher um caderno, e escrevia vezes e mais vezes os nomes completos do pai, da mãe e de nós todos com as respectivas datas de nascimento. Às vezes metia-me sorrateira dentro de casa, ia à gaveta da mesa da sala e lia e relia vezes sem conta as cartas e os postais das primas da Venezuela e dos tios do Brasil. Depois dava uma volta até à casa da madrinha, lia o Diário de Notícias, a revista Flama e até a Crónica Feminina, e ia ouvindo as histórias que a madrinha contava enquanto descascava o feijão ou as semilhas para a sopa, fazia crochet ou bordava a ponto de corda a letra inicial do seu nome nas toalhas da cozinha.

Assim que as ameixas da nossa ameixieira da porta da loja começavam a luzir eu começava a trincá-las ainda meio esverdeadas – só de me lembrar já me cresce água na boca! - mas quando já estavam vermelhas eu subia à ameixieira várias vezes ao dia. Não sei como conseguia, mas a verdade é que subia bem até à ponta da ameixieira que para o meu tamanho era bastante alta. Quando estava lá em cima achava engraçado ver, por cima do telhado da casa da madrinha, as casas do lado do Estreito que não se conseguia ver das janelas da nossa casa.

Pelo meio de tudo isto, ainda havia o tempo dedicado aos meus bordados, o ponto de cruz e o ponto do diabo, e bordava sempre um pano de tabuleiro para oferecer à tia ou para mandar às primas da Venezuela.

Mais à tarde, quando o calor já tinha abrandado, havia as tarefas da fazenda: ajudar o pai a regar o feijão – eu ficava na beira da cerca a ver quando a água chegava para dizer ao pai que podia andar com a água para a frente -, escolher os tremoços no meio da palha, quando o pai malhava os tremoceiros secos, debaixo do castanheiro nas Fajãs, ou mondar o côco nos regos de rama das batatas, no Lombo, na terra onde se tinha ceifado o trigo.

À noite, como não havia televisão, sentávamo-nos no terreiro e encantávamo-nos com as histórias que o pai contava, desde A Cigarra e a Formiga, em verso, até às histórias do Brasil e do Curaçau.

Eram verdadeiramente férias grandes, felizes e despreocupadas, mas eu continuava a contar os dias que faltavam para voltar à escola.

 


 

 

 

 

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