SEXTA-FEIRA DE PONTA DELGADA
Este era um dia de muito movimento nas vendas e nos caminhos.
Passavam os romeiros para a Festa do Senhor Bom Jesus e muita gente vinha para
o caminho ver os brincos e a animação.
Uma vez, era eu ainda pequena, a mãe mandou-nos logo pela
manhã, eu e Agostinho, às Fajãs apanhar os tomates que já estavam maduros, numa
caseira que tínhamos num poio ali mesmo em frente ao palheiro de cima. Como os
tomateiros estavam mesmo à beirinha do caminho, algum romeiro poderia ser
tentado a apanhar os tomates e levá-los para fazer um guisado lá na Ponta
Delgada. Então, lá fomos os dois, levando enfiado no braço um pequeno balaio
daqueles feitos de canas.
Quando chegámos um bocadinho acima do Encontro, havia ali um
descanso onde os homens costumavam descarregar por alguns momentos a carga que
traziam, para aliviarem as costas. Por cima do dito descanso, havia uns galhos
de silvado carregadinhos de amoras maduras que estavam mesmo a pedir para serem
comidas. Como ainda era um pouco cedo, ali parámos; sem pressa nenhuma, lá eu
me empoleirei em cima da parede que até nem era muito alta e pus-me a apanhar
as amoras enquanto Agostinho as colocava no balaio para depois as irmos comendo
no resto do caminho até às Fajãs.
Mal tínhamos começado a apanhar as amoras, já
ouvimos uns toques de rajão e castanholas e, com muita pena nossa, tivemos que
interromper a apanha das amoras e fomos embora depressa. Logo vimos um grupo de
romeiros a fazer um brinco no Cabo da Vargem, ali mesmo ao pé da casa do José
Gonçalves. Nós nem sequer parámos a ouvir o brinco, fomos o mais depressa que
podíamos a caminho das Fajãs, com medo que os nossos tomates já tivessem sido
apanhados. E se isso realmente tivesse acontecido, como iríamos dizer à mãe que
por causa das amoras, não tínhamos ido direitos como nos tinha mandado. Esta é
que era a nossa grande preocupação.
Para nosso descanso, os tomates ainda lá estavam e
trouxemo-los como a mãe nos tinha mandado, mas este simples episódio,
aparentemente sem graça nenhuma, ficou-nos gravado na memória e de vez em
quando ainda falamos nele.
Como hoje é sexta-feira de Ponta Delgada naturalmente
lembrei-me dele.
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