segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Ó ribeira, ó ribeira...


 
A RIBEIRA DA VARGEM

Vem de lá de cima, do Cabo do Estreito, não sei mesmo bem onde começa…

Ali perto da Junqueira o seu leito era largo e espaçoso, dava para atravessar, saltando de pedra em pedra, quando trazia menos água. Depois lá ia descendo pelo Estreito, recebendo a água do seu amigo afluente, o Corgo dos Inhames, até chegar ao Encontro e tombar numa linda queda de água que formava um poço bastante fundo, escondido pela sombra de grandes e frondosas árvores. Só quem passava na Ponte do Encontro conseguia ver este poço, tal a maneira como estava tapado pelo arvoredo. Eu nunca gostei de passar por aquela ponte, porque ficava mesmo por cima da queda de água e metia-me medo ver o poço escuro lá no fundo.

Dali para baixo a ribeira descia sem sobressaltos, acolhendo a água do Corgo da Lajinha, saltitando por entre as pedras até cair em harmoniosa queda de água ali no Poço da Carne, mesmo ao lado da casa do Ferreiro. Depois continuava a descer calmamente, formando pequenos lagos com pedras favadas transformadas em lavadouros onde as mulheres lá do sítio lavavam a roupa, que depois punham a corar, estendida em cima da pedra lisa que havia na margem. Era uma imagem interessante, os lençóis brancos ali estendidos ao sol; de vez em quando eram molhados com água para não ressecarem e à tarde lavados novamente com sabão azul e mergulhados na água com anil para ficarem mais brancos.

Um pouco abaixo da ponte, havia três poços seguidos, mas o primeiro, o Poço das Meadas (ou miadas, não sei bem…) por ser mais profundo, era o que incutia mais respeito. Era arredondado, com uma beira larga e envolto por vimieiros e canas-vieiras, uma verdadeira piscina natural. Ali tomavam banho os rapazes que já sabiam nadar bem; muitas vezes mergulhavam desde os ramos da figueira que havia na beira, mesmo por cima. Os rapazes mais pequenos aprendiam a nadar no poço do meio que não era tão fundo e só depois passavam a nadar no Poço das Meadas. As pequenas eram proibidas de se aproximarem dos poços, sobretudo quando os rapazes estavam por lá, porque eles tomavam banho nus e a elas não lhes ficava nada bem andarem a ver tal cena. No entanto, sempre arranjavam maneira de deitar o olho, quando passavam cá em cima na ponte.


E lá ia a ribeira seguindo o seu caminho, espraiando-se calmamente pelo Sítio do Moinho abaixo até tombar em bonitas e graciosas quedas de água, uma ali bem perto do prédio do Senhor António Machado e outra mais abaixo, mesmo ao lado do moinho do Senhor Brazão.

Desde a ponte do Rosário e pelas Fontes abaixo, sucediam-se alternadamente pequenos poços e suaves quedas de água até que surgia majestoso o bonito Poço do Morgado, aureolado nas suas margens por imponentes e altíssimos plátanos conferindo àquele espaço um aspecto bucólico e misterioso.

Atualmente a nossa ribeira não parece a mesma a que estávamos habituados. Com o temporal de 23 de Dezembro de 2009 a ribeira encheu de tal forma que galgou as margens e destruiu tudo o que foi encontrando pela frente. Por este motivo, houve necessidade de proteger as suas margens, de modo a prevenir situações semelhantes que possam vir futuramente a ocorrer. Reforçaram-se as margens com fortes e poderosas muralhas mas também se destruiu o que de mais bonito e característico tinha a nossa ribeira: os poços e as bonitas quedas de água que a tornavam única e a distinguiam de todas as outras.

É o preço que temos que pagar pela nossa segurança!...

 

 

 

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Dia de Pão-por-Deus


DIA DE PÃO-POR-DEUS

Eram dois dias santos seguidos, o Dia de Pão-por-Deus e o Dia das Almas, muito lembrados na nossa casa.

Na véspera do Pão-por-Deus a mãe fazia uma amassadura de pão, com rosquilhas e bolos de rolão. Depois do pão cozido e bem tapado com as toalhas brancas de algodão que só serviam mesmo para esse efeito, já tínhamos as pudineiras cheias de pêros rosados que metíamos dentro do forno e lá ficavam a assar no calor que ainda restava. Tínhamos pêros assados para comer durante alguns dias. E o que me dá mais saudade neste Dia de Pão-por-Deus é exactamente os pêros assados. Ainda retenho na minha memória aquele cheiro que se espalhava por toda a cozinha e o sabor dos pêros, ainda mornos, uma verdadeira delícia.
 
Neste dia costumava sempre passar algum pobre a pedir esmola e a mãe, caridosa como sempre, fazia questão de lhes dar qualquer coisa, porque nenhum pobre poderia ser esquecido neste dia. 

E como sempre acontecia por altura destas ocasiões assinaladas, a mãe contava a propósito, histórias dos pobres de antigamente, que vinham a casa da avó das Fontes, a avó Silvéria; naquela casa muitos pobres enganaram a fome por algumas vezes, porque a avó não os deixava ir de barriga vazia. E a mãe fazia o mesmo que a sua mãe costumava fazer nesse tempo de antigamente, ensinando-nos também o valor da caridade, da generosidade e da solidariedade para com os mais necessitados.

No dia dois de Novembro, Dia das Almas, eram lembrados todos os familiares que já haviam partido deste mundo, principalmente os nossos avós. A mãe falava de todos com muita saudade, quase sempre com a lágrima ao canto do olho. Nós, ainda pequenos, ouvíamos as várias histórias e ficávamos a olhar para a mãe, com os olhos rasos de lágrimas, tentando compreender a dimensão daquela saudade.

Era dia de ir à missa e rezar por intenção de todas as almas, não só dos nossos familiares mas também pelas almas do Purgatório. Eu não gostava desta missa por decorrer num ambiente muito pesado. As mulheres vestiam-se de escuro, algumas quase todas de preto como se estivessem de luto - eu achava aquilo tudo um exagero, porque nunca gostei de preto - e dentro da igreja ao longo da missa havia muitas fungadelas, porque todos se lembravam dos seus entes queridos, ainda mais na hora da homilía, quando o senhor padre falava e exaltava os que já tinham partido para o Além.

À noite, depois da ceia, tínhamos que rezar o terço com a mãe. Era um suplício, porque além do tempo que demorávamos a rezar o terço, ainda vinham no final as Avé-Marias por intenção daqueles que a mãe se ia lembrando, o que ainda nos obrigava a rezar mais um bocado. Mas tinha que ser!... A mãe cumpriu o seu dever de nos ensinar e todos nós aprendemos a rezar e a respeitar a memória dos nossos antepassados.

Certamente não nos iremos esquecer!... 

E agora já compreendo a dimensão daquela saudade que a mãe sentia. Tenho a certeza que a minha saudade é tão grande como a que a mãe sentia nesse tempo!...

 


 

 

 

Domingo de manhã


As manhãs de domingo

Ao domingo de manhã tenho por hábito terminar de tomar o meu indispensável café, sentada no sofá em frente à televisão, fazendo zapping nos diferentes canais, tentando sempre descobrir alguma coisa de interessante em que valha a pena demorar a minha atenção. Hoje deixei-me ficar por alguns instantes num dos canais Zen, onde graciosamente uma rapariga demonstrava exercícios de dança ioga, no meio de um descampado muito verde, rodeado de arvoredo, em que o sol brilhava como se fosse bem de manhãzinha. Dava vontade de ir também para aquele bonito espaço e acompanhar a rapariga naquela dança.

Com esta cena matinal dei comigo a pensar que gostaria muito de ter a capacidade de acordar bem cedo, logo ao nascer do dia, para tomar o pequeno-almoço calmamente e ainda ter tempo de poder desfrutar de um passeio ou caminhada, sentindo o ar fresco e o sol da manhã. Se assim fosse, certamente começaria o meu dia de trabalho com outra energia.

Mas eu, desde pequena, nunca gostei de acordar muito cedo. Quando andava no colégio, a mãe que era madrugadora e já tinha feito tantas coisas antes de eu ir para as aulas, tinha que me chamar duas ou três vezes para eu me levantar, porque eu ouvia-a mas voltava a adormecer; aquele soninho sabia-me muito bem.

Todos os dias me custa quando oiço o despertador às sete da manhã, tenho de ficar mais um bocadinho na cama e só então me levanto. Depois é sempre à pressa, os minutos estão todos contados, para que nada me falhe e consiga estar a horas na escola, não posso de modo nenhum chegar atrasada.

Nas manhãs de sábado e domingo então aproveito para por os sonhos em dia, às vezes dormindo e muitas vezes já acordada, mas bem que eu gostaria de ser madrugadora!...

Mas eu, desde pequena, nunca gostei de acordar muito cedo. Quando andava no colégio, a mãe que era madrugadora e já tinha feito tantas coisas antes de eu ir para as aulas, tinha que me chamar duas ou três vezes para eu me levantar, porque eu ouvia-a mas voltava a adormecer; aquele soninho sabia-me m

 

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Sábado do Rosário


A NOITE DO ROSÁRIO

No sábado era a grande noite do Rosário. Ao fim da tarde, já todos se encaminhavam para a Capela Velha, muita gente atrás da banda de música que terminava as visitas pelos sítios no largo da ponte, e também descia a pé a Rochinha, a caminho da igreja.

Nós também lá íamos, não sem antes cearmos um bom caldo de carne de vaca acompanhado com pão de rosquilha. E enquanto comíamos lá vinham os avisos da mãe, que já sabíamos de cor dos anos anteriores: ninguém passava do canto da ponte para lá nem das casas de banho para cima; tínhamos que andar bem à vista para a mãe nos encontrar quando fosse preciso.

E enquanto a mãe ia à novena, nós aproveitávamos para dar as nossas voltinhas, vendo as barracas de quinquilharias em que havia de tudo: os chapéus de palha com fita colorida pendurados, os cordões de doces, os rebuçados que pegavam nos dentes, embrulhados em papel de seda colorido, aqueles rebuçados compridos também embrulhados em papel de seda, com franjinhas nas pontas, os anéis e os relógios, as bonecas de todos os tamanhos, as cornetas, as castanholas, as gaitas e os tambores. Tudo nos encantava e lá ficávamos a pensar o que poderíamos comprar com aqueles cinco escudos que a tia ou a madrinha nos tinham dado.

Quando terminava a novena já deveríamos estar pelas redondezas do adro da igreja para que quando saísse a mãe nos encontrasse e nos dissesse que não nos afastássemos para longe porque não faltava muito tempo para irmos embora. Nós bem pedíamos que nos deixasse ver a girândola da meia-noite e o fogo de vistas (fogo-de-artifício), mas a mãe gostava de se deitar cedo e só descansava quando nos via a todos portas a dentro. Era um desconsolo, mas não havia outro remédio, íamos mesmo para casa. Mas só com a mãe porque o pai gostava de andar a noite toda na festa a apreciar o movimento, hábito que sempre tivera desde novo. Depois já ia direito para o Lombo, tirar o leite à vaca e verificar se nenhum romeiro tinha roubado as maçarocas que lá tínhamos na fazenda à espera de serem colhidas.
 

E ouvindo a música nos altifalantes da Achada do Beirão e os foguetes que de vez em quando estalavam, lá íamos todos muito contrariados até casa e adormecíamos sentindo ainda dentro da nossa cabeça todo aquele alvoroço da festa.

Então a mãe, sabida como era e também boa madrugadora, levantava-se bem cedo, toda sorrateira e deixava-nos a dormir. Ia à Capela Velha para saber do pai, como sempre dizia, mas eu acho que também ia para ver os romeiros e os brincos que de manhã ainda continuavam com os seus despiques. Quando chegava a casa contava-nos cenas engraçadas que tinha presenciado, fazendo-nos rir às gargalhadas.

E lá se tinha passado a noite do Rosário!

Canja, chá ou laranjada...


A CASA DE CHÁ

Na Festa do Rosário não podia deixar de haver a Casa de Chá, cujos lucros revertiam para a igreja. Normalmente era organizada por um grupo de raparigas solteiras, coadjuvadas por algumas jovens senhoras. Ali o ambiente era mais selecto: servia-se principalmente canja, sandes de galinha com pão de casa, bolo às fatias e laranjada; nada de vinho ou cerveja que eram bebidas para homens e não indicadas para senhoras.

Eu gostava de ver as raparigas de bandeja na mão, a servirem às mesas. Achava graça ao modo como estavam vestidas, de saia preta, blusa branca e avental branco amarrado atrás com um laço, deixando caídas as pontas. Eu olhava principalmente para o avental, gostava muito do tecido levezinho e do folho em toda a volta, e alimentava o desejo de que também um dia quando crescesse, iria ajudar na Casa de Chá, vestida com aquele traje.

E realmente assim aconteceu. Depois de mais crescida, quando já estudava no Colégio de São Vicente, também me coube, por mais do que uma vez, ajudar a servir à mesa, usando aquele mesmo uniforme que desde pequena sempre desejara.

Entretanto, com o decorrer dos tempos, o povo deixou de interessar-se e já há muitos anos não se faz Casa de Chá na Festa do Rosário, o que é pena, pois era uma iniciativa muito interessante. Os interesses da juventude são outros, o espírito colaborativo em comunidade também é diferente e a tradição já não é o que era!...   

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades!...

O bazar da Festa do Rosário


QUEM DÁ MAIS?

Eram vários bazares, um por cada sítio e começavam a ser organizados com algumas semanas de antecedência.

Ao domingo as raparigas juntavam-se para bordarem os panos de tabuleiro em ponto de cruz, ponto do diabo, ponto de alinhavo, ponto matiz ou caseado. Também bordavam tapetes em fada do lar. Eram tapetes com o fundo todo preto, onde com lãs às cores elas bordavam animais ou flores. Ficavam bonitos estes tapetes, mas os que eu mais gostava eram aqueles com gatos ou tigres cujos olhos eram de vidro.

No sábado do Rosário pela manhã, já as responsáveis pelo bazar iam pelas casas e as pessoas ofereciam pão de casa, as rosquilhas ou bolos de noiva; também havia quem oferecesse um bolo de vasilha, o bolo amarelo, o bolo preto ou o bolo raiado, envolvido em papel de manteiga.

Na nossa casa a mãe fazia uma rosquilha diferente, em forma de trança, especificamente para este fim.

Enquanto se ia amassando, tendendo e cozendo o nosso pão do Rosário, a mãe contava que naquele tempo (era sempre assim que a mãe começava as suas histórias, referindo-se ao seu tempo de juventude) a responsável pelo bazar do nosso sítio, a Vargem de Cima, era a minha avó Serafina, mãe do meu pai. Algum tempo antes, a avó ia pelas casas buscar o trigo que os vizinhos ofereciam, joeirava-o e levava-o ao moinho; depois ela mesma com a ajuda das vizinhas, amassava na nossa casa o pão e os bolos de noiva para vender no bazar. Era uma semana de barafunda em que ninguém parava. Para além disso, também vinham vizinhas que não tinham forno, amassar o seu pão na casa da avó, e o pão da casa era sempre o último a ser amassado e cozido.

A avó Serafina passava no bazar toda a noite da festa e era ela quem cuidava do dinheiro. Saía de casa no sábado e só chegava no domingo à noite.

Toda a gente se empenhava para que o seu bazar fosse o mais concorrido e o que desse mais dinheiro para a igreja. Então as pessoas ofereciam o que de melhor tiravam das suas culturas agrícolas: um cesto de semilhas, as pimpinelas e os pepinos, as abóboras, um cabo de cebolas, os pêros rosados que já iam aparecendo…e as prateleiras do bazar ficavam bem compostas.

Depois era sempre um regalo, ouvir a voz do rapaz, empoleirado em cima do balcão para que todos o vissem, a apregoar:

_ São vinte escudos!!!…Quem dá mais?!!!... Vinte escudos, quem dá mais!!!...Vendido, ali para aquela senhora!!!...

 E o pregão continuava pela noite dentro até ao domingo enquanto houvesse o que vender.

Viva o arraial


A FESTA DO ROSÁRIO

A azáfama começava duas ou três semanas antes com as idas à costureira para acertar o vestido novo a ser estreado no domingo do Rosário.

            A festa a sério começava na sexta-feira com a amassadura do pão e às vezes a mãe fazia bolos de noiva. A mãe levantava-se de madrugada para amassá-los porque demoram muito tempo a levedar. Quando nos levantávamos já o forno estava aceso e a cozinha cheirava a limão e a canela.

 À tarde, depois do pão cozido, íamos à Capela Velha ver as barracas de quinquilharias que já estavam montadas.

No sábado de manhã tínhamos que apastorar a casa antes do meio-dia para irmos ver a girândola; quase sempre íamos ao Lombo do Cantaria ou ao Lombo quando havia mais tempo.

Durante a tarde chegava a banda de música à ponte, acompanhando o grupo que recolhia as ofertas para o Bazar da igreja. Era sempre uma grande emoção ouvir a Banda tocar o hino em frente à venda do padrinho, o senhor Faria.

À tardinha apastorávamo-nos e íamos para a festa. A mãe avisava sempre para irmos à novena o que nem sempre acontecia. Aproveitávamos e íamos passear pela ponte adentro a ver o que gostávamos de comprar nas barracas de quinquilharias: um relógio custava 5$00, um anel 2$50…havia também as bonequinhas articuladas, mas o que eu gostava mesmo era das bolas de farelo muito brilhantes e coloridas que custavam 1$50.

Depois da novena a mãe chamava-nos todos, íamos à venda do senhor Agostinho Serafim e cada um tomava uma laranjada pela garrafa…era uma sensação única sentir aqueles piquinhos no nariz!...

No domingo, dia da Festa era obrigatório ir à missa e ia sempre na procissão…Havia as túnicas brancas, roxas e douradas; adorava ir à frente segurando as contas daquele enorme rosário de madeira…

Ao fim do dia sentia uma certa tristeza ao ver as barracas de quinquilharias a serem desmontadas e o Rosário voltava a ser o que era antes da festa.

Quando eu ia à cidade


OS PASSEIOS À CIDADE
 
No tempo em que eu era pequena as viagens para a cidade eram muito aborrecidas, demoravam muito tempo e por isso, só mesmo em caso de necessidade é que alguém ia ao Funchal. O horário da Rodoeste, o carro da manhã como se dizia, passava às seis e meia e regressava ao fim da tarde, mas também havia os carros de praça que igualmente saíam ao amanhecer e regressavam mais cedo.
 
Muitas vezes eu fui à cidade no carro de praça do Mário. Teresinha, que lá ia de vez em quando por causa dos bordados, costumava levar-me com ela. Nessa noite eu já nem dormia bem, só pensando que no outro dia ia passear à cidade.
 
A minha aventura começava assim que eu entrava no carro, logo de manhã bem cedo, ainda o sol não tinha despontado. Sentada no banco de trás, eu ia sempre olhando pela janela, enquanto descíamos da ponte até à igreja, vendo as casas todas, os homens que de enxada ao ombro já iam para a fazenda, e as vizinhas que passavam com a leiteira enfiada no braço e iam ao palheiro buscar o leite para depois o levar à máquina.
 
Assim que se passava a volta do Lombo e o carro começava a andar mais depressa, eu via tudo a andar para trás: a nossa terra, o nosso palheiro, o armazém e os pinheiros, os pereiros nos Cabeceiros e nas Lajas, os castanheiros nas Fajãs, o poço dos brimbeteiros, todo o arvoredo pelas Covas acima, passando pelas Caldeirinhas até ao Chão dos Louros e pela Encumeada abaixo. Teresinha avisava-me para eu ficar quieta, a olhar só para a frente para não ficar maldisposta e eu, que já ia com o estômago meio às voltas, obedecia, não olhava mais pela janela e punha-me muito direita a olhar para a frente, sempre de olhos bem abertos observando tudo muito bem.
 
Assim que chegávamos à cidade íamos à casa de bordados do Senhor Evaristo, ali ao lado do Jardim Municipal e obrigatoriamente passávamos em frente ao lago do Jardim onde nadavam os cisnes. Todas as vezes que ali parava, olhava com espanto e uma certa pena, aquela estátua dos meninos nus e na inocência dos meus seis ou sete anos questionava-me sempre porque os tinham feito assim sem roupa; era feio andar assim nu, só mesmo os pobrezinhos que não tinham nada para vestir.
 
Depois de algumas voltas pela cidade, íamos almoçar num restaurante no Largo dos Varadouros. Ali, as mesas completas com muita gente a comer e as vozes que se sobrepunham umas às outras faziam-me uma certa confusão. Eu observava atentamente a janela passa-pratos que separava a sala da cozinha, a pressa dos empregados a levarem os pratos à respectiva mesa e a recolherem os pratos usados e achava graça à voz deles quando gritavam lá para dentro “-sai um prato de macarrão!” ou     “-sai um prato de carne guisada!”… E eu, que ainda sentia dentro de mim as curvas e contracurvas das Covas e da Encumeada, ficava ainda mais com o estômago embrulhado com todos aqueles diferentes cheiros que o meu nariz absorvia e me impregnavam até a raíz dos cabelos.
 
À tarde, quando já todas as voltas tinham sido dadas e nada mais havia a fazer, lá fazíamos a viagem de regresso. Agora até parecia que demorava mais tempo, tal era o meu grande desejo de contar à mãe, com todos os pormenores, o meu passeio à cidade.
  
 
 
 
 
 
 
 

 

 

 

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Xaile com franjas

O XAILE DA MÃE

            Nestes tempos de inverno, em que os ponchos e os xailes são acessórios que fazem parte da moda feminina, lembro-me muitas vezes do meu tempo de criança, quando também era hábito as mulheres usarem o seu xaile para se agasalharem ou mesmo para comporem a sua indumentária. Nesse tempo as mulheres viúvas usavam um xaile preto e as outras um xaile de cor que servia também para agasalhar no colo as criancinhas pequenas. Eu achava graça ao modo como as mulheres pegavam nos pequenos e os embrulhavam com o xaile, um lado preso por baixo do braço que segurava o pequeno e outro lado por cima a tapá-lo; só a carinha ficava à vista.

            Lembro-me bem das minhas duas avós com o seu xaile, mas nunca vou esquecer o xaile da mãe. Era em xadrez miudinho, em tons esverdeados e castanhos, com franjas. Aquele xaile aconchegou-nos a todos no seu colo e, tal como dizia o fado, também nos aqueceu com carinho. Muitas vezes, quando pegava ao colo os meus irmãos mais pequenos, tentei imitar a mãe embrulhando-me com o seu xaile, querendo fazer como ela e as outras mulheres faziam, mas o xaile era bem maior do que eu e por isso nunca me ajeitava daquela maneira.

            Hoje, quando o frio é mais intenso, também costumo usar o meu xaile (que não é bem igual aos de antigamente). Sempre que o coloco nos ombros lembro-me da mãe e imagino o que diria se me visse agora de xaile; tenho a certeza que também ia gostar; ia dizer que tem umas cores bonitas e aproveitar a oportunidade para cantar “O xaile de minha mãe que me aqueceu com carinho…”.

Se a mãe ainda estivesse connosco, o mais certo é que uma de nós já lhe teria oferecido um xaile bonito, de cores alegres como ela muito gostava. Então, quando as vizinhas e amigas lhe dissessem que tinha um xaile bonito, diria com vaidade ter sido um presente das filhas.

Como se eu estivesse a ver!...

 
Funchal, 26-02-2016

 

  

 
 
 
 
 
 

 

  

 

Se eu gostasse desta sopa...

 
SOPA DE ABÓBORA

Há imagens que inevitavelmente me levam a memória para aqueles tempos em que era ainda bem pequena. Ainda agora, ali na frutaria ao pé de casa, dei de caras com umas abóboras tenras e viçosas, daquelas que também se costuma chamar bogangas, e logo me lembrei do tempo em que na nossa terra das Fajãs, tínhamos destas abóboras, com tanta fartura que algumas chegavam a perder-se lá no meio dos baraços e da erva.

 Neste tempo de fartura, a mãe fazia sopa de abóbora com alguma frequência, aquela sopa bastante consistente, com feijão seco, carne de porco salgada ou tripas de porco curadas no fumeiro. Assim que eu percebia que a mãe ia fazer aquela sopa eu já tinha um desgosto, porque não gostava mesmo nada, embora fosse obrigada a comer.

Até para a sopa de abóbora, a mãe contava histórias do tempo em que na casa das Fontes  a avó Silvéria também a fazia, de quem gostava ou não gostava, e os comentários que a respeito se sucediam. Então, o pai que às vezes gostava de me arreliar, dizia que quando morresse a terra das abóboras seria para mim, e eu logo lhe respondia que se aquela terra fosse para mim nunca mais se plantava lá abóboras. Como era ainda bem pequena todos acharam graça à minha resposta, que ficou logo na história e era lembrada sempre que vinha a propósito, normalmente quando à refeição tínhamos a dita sopa.

Efectivamente, desde que deixei de ser obrigada a comer sopa de abóbora, eu nunca mais a comi e acho que já nem me lembro do sabor que tem. Fiquei sempre com aquela ideia de que não gosto mesmo. Mas pensando bem, acho que um dia destes vou comprar uma “aboarinha” e vou fazer uma sopa. Depois convido Agostinho, que tal como eu não gostava daquela sopa, para ver se realmente gostamos ou não de sopa de abóbora.

Nunca é tarde para aprender!...                       

 

 
  

 
 

Pêssegos e pessegueiros


SAUDADES, MAS JÁ NÃO HÁ PÊSSEGOS!

Às vezes vem-me à lembrança certas frases que desde pequena habitualmente ouvia, mas que entretanto se foram diluindo com o passar dos anos. Uma dessas frases era esta que sempre ouvi e à qual achava imensa graça, quando alguém mandava saudades por encomenda para outra pessoa que estivesse embarcada: “ – Diz que lhe mando saudades, mas já não há pêssegos!”. Nunca tive a explicação para esta frase, mas decerto terá sido proferida uma primeira vez por alguém, tendo logo sido aproveitada por outra pessoa que lhe achou piada, continuando a dizê-la sempre que vinha a propósito, e estará relacionada com os muitos pessegueiros carregadinhos de pêssegos que havia nas fazendas do Rosário, por estas alturas do Verão e princípios do Outono. Estes pessegueiros nasciam espontaneamente e davam uns pêssegos miúdos muito saborosos, daqueles que soltavam o caroço, bem diferentes destes que agora costumamos comer, comprados na frutaria ou no supermercado.

Também na nossa terra das Fajãs, tínhamos vários destes pessegueiros, mas eu lembro-me especialmente de um grande que tínhamos mesmo ao pé de casa, na fazenda onde se plantava inhame e feijão. Este pessegueiro já vinha do tempo da avó Serafina e dava muito bons pêssegos, quase sempre cobiçados por quem passava por ali, pois ficava mesmo à beira do caminho. Quando o pai ia cavar o inhame encontrava sempre muitas pedras que alguém tinha atirado ao pessegueiro para apanhar os pêssegos, sem que ninguém visse.

A este propósito a mãe contava um episódio engraçado, passado com uma nossa vizinha do pé da porta, que mesmo das janelas de casa via diariamente o nosso pessegueiro. Um dia, ia a avó Serafina apanhar os pêssegos e já ela vinha com a abada do avental cheia deles. É claro que a avó não gostou mesmo nada e perguntou-lhe quem lhe tinha dado autorização para tal. Então essa vizinha, que até era amiga da avó, respondeu ter sido ela quem atirou os caroços para que nascesse o pessegueiro, por isso, também podia apanhar os pêssegos. A conversa ficou por ali e continuaram amigas como sempre.

O pessegueiro já secou há muitos anos, mas continua a fazer parte da minha memória, bem como este simples episódio, de cuja protagonista eu apenas conheço o nome pelas várias vezes que ouvi a mãe falar dela e da sua família. E vou continuar a dizer que há muitas saudades mas já não há pêssegos!...

 

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

São João e São Pedro


DIA DE SÃO PEDRO

Amanheci com o pensamento no nosso Pedro que hoje faria anos. Lembrei-me dele e da mãe, e inevitavelmente não pude conter as lágrimas; vieram-me ao pensamento vivas lembranças que sempre irei guardar na minha alma, pedindo a Deus que me conserve a minha boa memória e nunca me deixe esquecer delas.

Embora gostasse muito dos três santos populares, aquele que a mãe mais estimava era o senhor São Pedro, por ter sido, como nos dizia, o grande companheiro de Nosso Senhor e ter as chaves do Céu e também porque deu o nome ao nosso Pedro. Por isso, na nossa casa, o dia de São Pedro sempre foi um dia assinalado, pois foi nesse dia que nasceu Pedro, o primeiro filho da casa.

Pelo que a mãe contava – eu não me lembro porque quando nasci Pedro já tinha nove anos - quando o pai estava emigrado no Curaçau, a avó Serafina não deixava de festejar o aniversário do menino da casa. Então, fazia uma amassadura de pão e matava um galo para o almoço porque o dia era de festa. Para o almoço vinham também os avós das Fontes, o avô Manuel Machete e a avó Silvéria e assim festejavam os anos de Pedro. Prendas não haveria, com certeza não era moda nesse tempo, mas não faltava o muito afecto e carinho que os avós lhe dedicavam, para não falar do imenso amor que a mãe nutria pelo seu menino.

E sempre assim foi ao longo dos anos, mesmo já depois de Pedro ter emigrado para a Venezuela. Embora não estivesse cá, a mãe continuou a fazer neste dia um almoço diferente e nós, os pequenos como ele nos chamava, lá ouvíamos aquela frase que a mãe sempre dizia, para expressar a saudade que sentia por ele estar longe, “Coitado daquele Pedro!...”  

Hoje sou eu que digo… Coitado daquele Pedro!... Partiu cedo ao encontro da mãe e nós cá estamos, lembrando com saudade que hoje é o dia dos seus anos.

 
   

 

Vou à ponte, dar uma voltinha...


O LARGO DA PONTE

Era no largo da ponte que tudo se passava.

Ali terminava o caminho da Vargem que começava lá em baixo, ao pé da igreja do Rosário e havia a ponte, estreita e com varandas de ferro que ligava ao lado do Estreito. Ali se situava a venda do padrinho, o senhor Faria, e a fonte onde se ia buscar água, ali se esperava o carteiro e era só até ali que os carros podiam ir. Nesse tempo os carros eram muito poucos: era um acontecimento quando chegava um carro à ponte. Os pequenos iam a pé para a escola que ficava perto e brincavam à vontade no caminho porque não havia qualquer perigo.

Durante os dias de semana a mãe não nos deixava ir para a ponte a não ser para ir à venda ou para ir a casa da madrinha. Depois da escola havia sempre em casa tarefas destinadas a cada um, ou íamos para as Fajãs ou para o Lombo, consoante o lugar onde o pai estivesse, ajudar no que fosse preciso; portanto não havia tempo para andar pelo caminho e mesmo não era bonito andar assim desocupado e sem arreio.

 Aos domingos ou nos dias santos à tarde era na ponte que todos se encontravam. Os homens sentavam-se no muro ao lado da venda a jogar à milhada e as mulheres juntavam-se em grupo à conversa um pouco mais abaixo. Os pequenos brincavam à rolha e à matança ou a outros jogos próprios da época.

No tempo dos vimes saltávamos ao vime: dois vimes grandes amarrados pelas pontas faziam a vez de corda; as cordas eram para amarrar os molhos de erva ou de lenha e não para andar a saltar porque se rebentavam.

Umas vezes brincávamos ao jogo das prendas (o que se faz ao dono desta prenda que está para sair?) e ao raminho (aqui trago este raminho muito bem arrematado que o seu amor manda para ver se é do seu agrado!...); outras vezes aos reis e às rainhas a quem atribuíamos títulos muito bonitos e pomposos ou muito feios e horrorosos…Também brincávamos ao galo e às galinhas (falta aqui uma galinha chamada Teresa, que volta levou?!...), ao jogo da meia-lua e às escondidas.

Na noite de São João o largo da ponte iluminava-se com a chama das fogueiras que se faziam; o cheiro a louro e a alecrim espalhava-se por todo o lado; era uma fogueira grande para os maiores e uma mais pequena para a criançada que não queria ficar apenas a ver os maiores a saltarem.

Na altura da Festa eram muitos os dias santos, na primeira e segunda oitava ninguém trabalhava, por isso muita gente se juntava no largo da ponte e havia sempre muita animação. Grandes e pequenos jogavam ao jogo do farelo do qual muitos saíam com as mãos vermelhas e a escaldar, das palmadas que tinham levado até descobrirem quem lhes estava a aquecer.

Raparigas e rapazes mais novos faziam as cantigas de roda e aproveitavam para dar uma piscadela de olhos a quem lhes interessava. Cantava-se a Teresinha de Jesus, a Borboleta Branca, o Paspalhão, Alargai-vos raparigas que o terreiro não é estreito, Muito chorei eu no domingo à tarde…

Tudo isto acontecia no tempo em que ainda não havia televisão em São Vicente. A partir do momento em que chegou a televisão a maioria das pessoas preferiu ficar em casa, os momentos de convívio foram-se tornando cada vez mais raros e hoje só alguns se lembram dos jogos e das cantigas.

O largo da ponte ainda lá está mas perdeu todo o encanto que sempre teve.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Malassadas ou bolos na graxa

O Entrudo
            Uma das lembranças mais antigas que tenho é de ver a avó Serafina a tender os bolos e pô-los a levedar, deitando a farinha para não pegarem na toalha, e depois cortá-los em bocados para fritar na banha de porco. Mas também me lembro de ser bem pequena e ver a prima a fritar as malassadas na cozinha a lenha (a cozinhinha), observando com muita atenção como molhava os dedos na água de um canjirão de alumínio, para que a massa não lhe pegasse e as malassadas ficassem bem redondinhas. 

Depois que a avó Serafina se foi, era a mãe que fazia as malassadas. Começava a fazê-las na quinta-feira das comadres. E contava-nos que “naquele tempo, neste dia, os compadres serravam as comadres”, isto é, colocavam-se num lugar mais elevado e pegavam com as mulheres, dizendo piadas e graçolas, gritando bem alto para que toda a gente ouvisse; é claro que elas não gostavam nada disso, nenhuma gostava de ser serrada.

Na semana seguinte era a quinta-feira dos compadres e a mãe voltava a fazer malassadas, porque segundo dizia ”eles também merecem”. A história deste dia era que “naquele tempo, uma vez tinham feito um compadre a rigor e até lhe tinham feito um enterro”. Na minha imaginação eu conseguia ver a cena toda, tal era a maneira como a mãe descrevia esse episódio. Então a mãe já nos ia dizendo que no dia de entrudo ia fazer um “barreleiro” de malassadas e nós acreditávamos. Um barreleiro é uma espécie de cesto de vindima, mas um pouco mais pequeno, o que queria dizer que ia mesmo fazer uma grande quantidade delas.

No dia de entrudo a mãe fazia as malassadas, não um barreleiro mas uma tampa cheia. Uma tampa é um cesto de vimes redondo, sem asa, largo e meio baixo em que se colocava a roupa lavada antes de passar a ferro, e onde às vezes a mãe guardava pão de casa embrulhado em toalhas brancas de algodão, as toalhas do pão que só serviam mesmo para esse fim.
 
A mãe também fazia os bolos na graxa, à moda da avó Serafina, porque o pai só gostava desses e a mãe fazia-lhe a baboseira. Na hora da ceia comíamos as malassadas com açúcar, acompanhadas com chá; a mãe contava que no seu tempo de rapariga, em casa da avó das Fontes, o avô fazia sempre uma caldinha de açúcar com limão para molhar as malassadas; também nos contava as peripécias que os tios faziam (principalmente o tio Francisco, o mais novo dos irmãos) enquanto a avó Silvéria fritava as malassadas. Nós íamos ouvindo as histórias e nos deliciando com as malassadas.

Neste dia de entrudo o cheiro a malassadas fritas invadia toda a vizinhança e eu quase sempre ficava com o estômago embrulhado e não conseguia comer mais do que duas malassadas; mas no outro dia, gostava delas frias e já meio durinhas, com o café que todos os dias pela manhã a mãe fazia, cevada misturada com café do bom.

Era assim o nosso Entrudo. Nesse tempo não se falava em carnaval, a não ser o do Brasil o qual, como nos dizia o pai que já tinha andado por lá, era uma vergonha porque as mulheres dançavam na rua quase todas nuas.

 
 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Dia de anos é dia de festa

DIA DE ANOS

Todos os dias de anos eram sempre lembrados e festejados, pois a mãe não deixava passar nenhum em branco.

Num tempo em que não era hábito receber prendas de aniversário, já nos sentíamos muito felizes quando pela manhã a mãe anunciava que ia arranjar um galo para o almoço porque um de nós fazia anos. Quando dava jeito, já na véspera a mãe fazia uma amassadura de pão, para termos umas rosquilhas de pão fresco nesse dia; assim já podíamos fazer umas empadas com carne de galinha, o que nos sabia sempre muito bem.

Alguns de nós tínhamos o nosso dia de anos em datas assinaladas e festejadas: Pedro, no dia de São Pedro, eu, pela Festa do Monte e Agostinho, no Dia de Reis.

Nestes dias em que fazíamos anos, a mãe contava-nos sempre as histórias relativas ao nosso nascimento. Todos nós nascemos na nossa casa e o acontecimento envolvia toda a gente, desde a avó Serafina que estava sempre presente, até aos vizinhos que também deitavam a mão, ajudando no que fosse preciso. Então nós lá íamos ouvindo e sabendo a que horas tínhamos vindo ao mundo, se era dia ou noite, quem tinha sido a parteira, quem tinha feito as nossas roupinhas e quem tinha bordado o lençolinho, quando o pai tinha ido falar com o padrinho, em que dia tinha sido o baptizado e quem nos tinha levado à igreja, como tinha sido a festa e quem tinha vindo, e tudo o mais que a mãe se ia lembrando.

O mais interessante era quando a mãe contava a história dos nossos nomes, sempre escolhidos pelo pai, que só lhe contava quando chegava a casa vindo da vila, do Registo Civil, com a nossa cédula na algibeira do casaco. Todos achávamos muita graça aos motivos que levaram o pai a escolher os nossos nomes, que a mãe sempre achou bonitos, excepto quando foi Clara, pois não ficou lá muito contente.

Estas e outras histórias ficaram gravadas na minha memória, mas sobretudo na minha alma e no meu coração. Agora que já não temos o abraço da mãe a dar-nos os parabéns e a narrar com mestria os factos da nossa vida, havemos de lembrar sempre com saudade aqueles pequenos momentos feitos de coisas simples mas que foram, sem dúvida alguma, os melhores que tivemos na vida.

 

Falando de nozes


A RESPEITO DE NOZES…
 
            Estando eu ali há pouco a partir umas nozes de São Vicente, lembrei-me do meu tempo de pequena.
 
Nas nossas terras das Fajãs tínhamos várias árvores de fruta: pereiros e macieiras, muitas ameixieiras, pereiras, um damasqueiro e alguns pessegueiros, uma ou duas cerejeiras cujas cerejas eram tão poucas que só os melros as comiam e vários castanheiros; só não tínhamos uma nogueira. Então a mãe dizia-nos sempre que como não tínhamos nogueiras, não queria nozes em casa. Dizia-nos isto que era para não irmos para as terras alheias buscar o que não era nosso e porque não devíamos cobiçar os bens dos outros. No entanto, embora não tivéssemos nogueiras, sempre havia alguém que nos trazia nozes, porque como tínhamos muitos castanheiros, também dávamos castanhas a quem não tivesse. Entretanto, o pai que sempre gostou de plantar árvores de fruto plantou uma nogueira, a qual depois de alguns anos começou a dar nozes e ainda lá continua.
 
Também me veio à lembrança, as vezes em que a madrinha me punha a partir as nozes para fazer o bolo de noz ou o bolo de caramelo, principalmente pela Festa ou pelo Espírito Santo; eu partia-as com um martelo de madeira, usado para bater os bifes mas que também dava muito jeito a partir as nozes. Era preciso muita paciência, porque ainda demorava algum tempo até que se tivesse a quantidade necessária para fazer o bolo. Depois ainda faltava moê-las com o moinho de mão, que a madrinha colocava, bem apertado para que não se soltasse, na beira da mesa da cozinha.


 
E o meu pensamento continua naquela nogueira grande que o padrinho tinha lá em cima nas Covas, mesmo à beira da estrada. Não sei se secou, mas penso que ainda lá deve estar no meio das outras árvores; certamente ainda dá nozes e alguém deve levá-las para casa, mesmo sabendo que aquela nogueira não é sua ou então, pensando que não tem dono.
 
Como diria a mãe, “os tempos são outros!”.
 
 

 

Malassadas com açúcar




O ENTRUDO

O dia de Entrudo era um dia de alvoroço. A mãe andava atarefada para amassar as malassadas, mas primeiro tinha que fazer o almoço e levar ao pai que andava no Lombo: dia de Entrudo era um dia bom para plantar "novidade".

             Depois do almoço que habitualmente neste dia, era arroz com feijão e carne de porco (às vezes era a orelha do porco que a mãe guardava para esta altura), a mãe fazia as malassadas e um bolo na graxa que era o que o pai gostava. As malassadas eram fritas em banha de porco, coisa que nunca faltou na nossa casa. O “bolo na graxa” era um pão que depois de lêvedo era cortado aos pedaços e frito na banha de porco, uma tradição que já vinha do tempo da avó Serafina, a nossa avó paterna. Como a mãe às vezes contava, no tempo da avó Serafina nunca faltava trigo na caixa e farinha no saco, por isso, de vez em quando a avó fazia destes bolos.

            À tardinha comíamos as malassadas com açúcar…A mãe dizia-nos a brincar que só comia malassadas quem dissesse direitinho «trupe, trupe, malassadas com “açucre”». A acompanhar as malassadas havia sempre chá para todos: chá preto daquele que vinha numa caixinha cor-de-rosa, o chá do Ceilão.

Eu só comia duas ou três malassadas; não conseguia comer mais porque ficava com o “estômago embrulhado” do cheiro das malassadas da vizinhança. Gostava das malassadas já frias no outro dia…E para não deixar perder a tradição fiz as malassadas à moda da nossa casa, pensando na mãe e nas histórias do nosso Entrudo.






  As malassadas eram fritas em banha de porco, coisa que nunca faltou na nossa casa. O "bolo na graxa" era um pão que depois de lêvedo era cortado em pedaços e frito na banha de porco, uma tradição que já vinha do tempo da avó Serafina, a nossa avó paterna. Como a mãe às vezes contava, no tempo da avó Serafina nunca faltava trigo na caixa e farinha no saco e por isso, de vez em quando a avó fazia estes bolos.As malassadas eram fritas em banha de porco, coisa que nunca faltou na nossa casa. O "bolo na graxa" era um pão que depois de lêvedo era cortado em pedaços e frito na banha de porco, uma tradição que já vinha do tempo da avó Serafina, a nossa avó paterna. Como a mãe às vezes contava, no tempo da avó Serafina nunca faltava trigo na caixa e farinha no saco e por isso, de vez em quando a avó fazia estes bolos.As malassadas eram fritas em banha de porco, coisa que nunca faltou na nossa casa. O "bolo na graxa" era um pão que depois de lêvedo era cortado em pedaços e frito na banha de porco, uma tradição que já vinha do tempo da avó Serafina, a nossa avó paterna. Como a mãe às vezes contava, no tempo da avó Serafina nunca faltava trigo na caixa e farinha no saco e por isso, de vez em quando a avó fazia estes bolos.As malassadas eram fritas em banha de porco, coisa que nunca faltou na nossa casa. O "bolo na graxa" era um pão que depois de lêvedo era cortado em pedaços e frito na banha de porco, uma tradição que já vinha do tempo da avó Serafina, a nossa avó paterna. Como a mãe às vezes contava, no tempo da avó Serafina nunca faltava trigo na caixa e farinha no saco e por isso, de vez em quando a avó fazia estes bolos.s e um "bolo na graxa" que era o que o pai gostava. As malassadas eram fritas em banha de porco, coisa que nunca faltou na nossa casa. O "bolo na graxa" era um pão que depois de lêvedo era cortado em pedaços e frito na banha de porco, uma tradição que já vinha do tempo da avó Serafina, a nossa avó paterna. Como a mãe às vezes contava, no tempo da avó Serafina nunca faltava trigo na caixa e farinha no saco e por isso, de vez em quando a avó fazia estes bolos.

O "bolo na graxa" era um pão que depois de lêvedo era cortado em pedaços e frito na banha de porco, uma tradição que já vinha do tempo da avó Serafina, a nossa avó paterna. Como a mãe às vezes contava, no tempo da avó Serafina nunca faltava trigo na caixa e farinha no saco e por isso, de vez em quando a avó fazia estes bolos.As malassadas eram fritas em banha de porco, coisa que nunca faltou na nossa casa. O "bolo na graxa" era um pão que depois de lêvedo era cortado em pedaços e frito na banha de porco, uma tradição que já vinha do tempo da avó Serafina, a nossa avó paterna. Como a mãe às vezes contava, no tempo da avó Serafina nunca faltava trigo na caixa e farinha no saco e por isso, de vez em quando a avó fazia estes bolos.