segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Ó ribeira, ó ribeira...


 
A RIBEIRA DA VARGEM

Vem de lá de cima, do Cabo do Estreito, não sei mesmo bem onde começa…

Ali perto da Junqueira o seu leito era largo e espaçoso, dava para atravessar, saltando de pedra em pedra, quando trazia menos água. Depois lá ia descendo pelo Estreito, recebendo a água do seu amigo afluente, o Corgo dos Inhames, até chegar ao Encontro e tombar numa linda queda de água que formava um poço bastante fundo, escondido pela sombra de grandes e frondosas árvores. Só quem passava na Ponte do Encontro conseguia ver este poço, tal a maneira como estava tapado pelo arvoredo. Eu nunca gostei de passar por aquela ponte, porque ficava mesmo por cima da queda de água e metia-me medo ver o poço escuro lá no fundo.

Dali para baixo a ribeira descia sem sobressaltos, acolhendo a água do Corgo da Lajinha, saltitando por entre as pedras até cair em harmoniosa queda de água ali no Poço da Carne, mesmo ao lado da casa do Ferreiro. Depois continuava a descer calmamente, formando pequenos lagos com pedras favadas transformadas em lavadouros onde as mulheres lá do sítio lavavam a roupa, que depois punham a corar, estendida em cima da pedra lisa que havia na margem. Era uma imagem interessante, os lençóis brancos ali estendidos ao sol; de vez em quando eram molhados com água para não ressecarem e à tarde lavados novamente com sabão azul e mergulhados na água com anil para ficarem mais brancos.

Um pouco abaixo da ponte, havia três poços seguidos, mas o primeiro, o Poço das Meadas (ou miadas, não sei bem…) por ser mais profundo, era o que incutia mais respeito. Era arredondado, com uma beira larga e envolto por vimieiros e canas-vieiras, uma verdadeira piscina natural. Ali tomavam banho os rapazes que já sabiam nadar bem; muitas vezes mergulhavam desde os ramos da figueira que havia na beira, mesmo por cima. Os rapazes mais pequenos aprendiam a nadar no poço do meio que não era tão fundo e só depois passavam a nadar no Poço das Meadas. As pequenas eram proibidas de se aproximarem dos poços, sobretudo quando os rapazes estavam por lá, porque eles tomavam banho nus e a elas não lhes ficava nada bem andarem a ver tal cena. No entanto, sempre arranjavam maneira de deitar o olho, quando passavam cá em cima na ponte.


E lá ia a ribeira seguindo o seu caminho, espraiando-se calmamente pelo Sítio do Moinho abaixo até tombar em bonitas e graciosas quedas de água, uma ali bem perto do prédio do Senhor António Machado e outra mais abaixo, mesmo ao lado do moinho do Senhor Brazão.

Desde a ponte do Rosário e pelas Fontes abaixo, sucediam-se alternadamente pequenos poços e suaves quedas de água até que surgia majestoso o bonito Poço do Morgado, aureolado nas suas margens por imponentes e altíssimos plátanos conferindo àquele espaço um aspecto bucólico e misterioso.

Atualmente a nossa ribeira não parece a mesma a que estávamos habituados. Com o temporal de 23 de Dezembro de 2009 a ribeira encheu de tal forma que galgou as margens e destruiu tudo o que foi encontrando pela frente. Por este motivo, houve necessidade de proteger as suas margens, de modo a prevenir situações semelhantes que possam vir futuramente a ocorrer. Reforçaram-se as margens com fortes e poderosas muralhas mas também se destruiu o que de mais bonito e característico tinha a nossa ribeira: os poços e as bonitas quedas de água que a tornavam única e a distinguiam de todas as outras.

É o preço que temos que pagar pela nossa segurança!...

 

 

 

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