HISTÓRIAS E MAIS HISTÓRIAS
As histórias sempre fizeram parte dos nossos serões.
Naqueles dias quentes de verão em que as tardes se
prolongavam até um anoitecer tardio, depois da ceia sentávamo-nos no terreiro e
lá íamos ouvindo o pai contar as suas histórias e aventuras por terras do
Brasil e do Curaçau, enquanto a mãe fazia o resto da lida. Por altura do feijão
seco, em que todas as noites tínhamos que desbulhar uma certa quantidade de
feijão antes de nos irmos deitar, vinha novamente uma sessão de histórias. Mas naqueles
dias frios e chuvosos de inverno, quando as tardes eram tão pequenas que já se
confundiam com a noite, a porta da cozinha fechava-se assim que escurecia,
ainda mal tinha dado as avé-marias. E ali à volta da mesa, enquanto ceávamos no
calorzinho da lareira, qualquer palavra ou gesto nosso era motivo suficiente
para a mãe se lembrar de uma história ou episódio engraçado que nos fazia rir
com vontade.
As histórias do pai eram diferentes das que a mãe contava.
O pai contava-nos sobretudo histórias de feiticeiras e de
almas do outro mundo. Eram histórias que nos metiam medo. Sempre ouvíamos que
nas noites de terça ou quinta-feira as feiticeiras andavam à solta e iam bailar
no campo grande do Paúl da Serra; ninguém gostava de falar delas porque depois
elas vinham fazer partidas pela noite dentro e atentar as pessoas enquanto
dormiam. As almas do outro mundo costumavam aparecer quando tinham deixado
dívidas por pagar ou quando precisavam de reza, e também podiam puxar os nossos
pés enquanto dormíamos. Havia sempre alguém conhecido que tinha sido vítima das
maldades das feiticeiras ou tinha visto algures uma alma penada.
Só de ouvir estas histórias nós já nos encolhíamos todos
cheios de medo e quando nos íamos deitar tapávamo-nos todos da cabeça aos pés.
O que nos valia é que dormíamos dois em cada cama, podíamo-nos encostar um ao
outro e assim não estávamos sozinhos.
As histórias da mãe eram quase sempre divertidas e faziam-nos
dar muitas gargalhadas. Muitas delas eram episódios que tinham sucedido
realmente, com personagens que a mãe tinha conhecido mas já não eram do nosso
tempo. A mãe tinha muito jeito para contar estas histórias, imprimia-lhes
sempre uma pitada de humor, imitando até a voz de cada personagem, e por isso
nós achávamos muita graça. Através da descrição que a mãe fazia conseguíamos
visualizar toda a cena, como se nós próprios lá estivéssemos e conhecêssemos
realmente aquelas personagens. Vezes sem conta ouvíamos estas histórias, mas
pedíamos sempre à mãe para contá-las uma e outra vez, porque achávamos graça a
determinada passagem ou pormenor. Então a mãe contava, dava ainda mais ênfase
àquela parte que nós mais gostávamos e no fim acabávamos todos às gargalhadas.
Quem não tem saudades?!
Sem comentários:
Enviar um comentário