domingo, 21 de fevereiro de 2016

Histórias ao serão

 
HISTÓRIAS E MAIS HISTÓRIAS

As histórias sempre fizeram parte dos nossos serões.

Naqueles dias quentes de verão em que as tardes se prolongavam até um anoitecer tardio, depois da ceia sentávamo-nos no terreiro e lá íamos ouvindo o pai contar as suas histórias e aventuras por terras do Brasil e do Curaçau, enquanto a mãe fazia o resto da lida. Por altura do feijão seco, em que todas as noites tínhamos que desbulhar uma certa quantidade de feijão antes de nos irmos deitar, vinha novamente uma sessão de histórias. Mas naqueles dias frios e chuvosos de inverno, quando as tardes eram tão pequenas que já se confundiam com a noite, a porta da cozinha fechava-se assim que escurecia, ainda mal tinha dado as avé-marias. E ali à volta da mesa, enquanto ceávamos no calorzinho da lareira, qualquer palavra ou gesto nosso era motivo suficiente para a mãe se lembrar de uma história ou episódio engraçado que nos fazia rir com vontade.

As histórias do pai eram diferentes das que a mãe contava.

O pai contava-nos sobretudo histórias de feiticeiras e de almas do outro mundo. Eram histórias que nos metiam medo. Sempre ouvíamos que nas noites de terça ou quinta-feira as feiticeiras andavam à solta e iam bailar no campo grande do Paúl da Serra; ninguém gostava de falar delas porque depois elas vinham fazer partidas pela noite dentro e atentar as pessoas enquanto dormiam. As almas do outro mundo costumavam aparecer quando tinham deixado dívidas por pagar ou quando precisavam de reza, e também podiam puxar os nossos pés enquanto dormíamos. Havia sempre alguém conhecido que tinha sido vítima das maldades das feiticeiras ou tinha visto algures uma alma penada.

Só de ouvir estas histórias nós já nos encolhíamos todos cheios de medo e quando nos íamos deitar tapávamo-nos todos da cabeça aos pés. O que nos valia é que dormíamos dois em cada cama, podíamo-nos encostar um ao outro e assim não estávamos sozinhos.

As histórias da mãe eram quase sempre divertidas e faziam-nos dar muitas gargalhadas. Muitas delas eram episódios que tinham sucedido realmente, com personagens que a mãe tinha conhecido mas já não eram do nosso tempo. A mãe tinha muito jeito para contar estas histórias, imprimia-lhes sempre uma pitada de humor, imitando até a voz de cada personagem, e por isso nós achávamos muita graça. Através da descrição que a mãe fazia conseguíamos visualizar toda a cena, como se nós próprios lá estivéssemos e conhecêssemos realmente aquelas personagens. Vezes sem conta ouvíamos estas histórias, mas pedíamos sempre à mãe para contá-las uma e outra vez, porque achávamos graça a determinada passagem ou pormenor. Então a mãe contava, dava ainda mais ênfase àquela parte que nós mais gostávamos e no fim acabávamos todos às gargalhadas.

Quem não tem saudades?!

 


 

 



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