A IDA À CIDADE
Quando a mãe ia à cidade era um acontecimento lá em casa.
Nesse tempo as viagens de camioneta para o Funchal demoravam
quase três horas, e por isso não eram assim tão frequentes; mas, lá de tempos a
tempos, a mãe ia à cidade. Como agente de bordados tinha que ir entregar na
casa os bordados que as bordadeiras já tinham acabado, porque terminara o prazo
dado. Depois trazia-lhes o respectivo dinheiro e mais bordados e linhas para bordarem.
Elas vinham à nossa casa e, à medida que ia distribuindo os bordados, a mãe ia
anotando tudo naquele caderno comprido de capa azulada: o nome da bordadeira, o
número do bilhete e quantos negalhos de linhas tinham levado; não lhe falhava
nada.
Assim que a mãe nos dizia que ia à cidade, nós já entrávamos
em alvoroço, começávamos a pedir para também nos levar e se nos trazia alguma
coisa que desejássemos muito; mas a mãe quase sempre ia sozinha porque gostava
de andar depressa e queria se despachar nas voltas que tinha a dar.
Na véspera à noite, a
mãe destinava o que cada um tinha que fazer e a mim, que sou a mais velha,
cabia-me sempre ajudar o pai a fazer o almoço e cuidar dos mais pequenos. Se
algum de nós precisava de sapatos, a mãe tirava o molde do nosso pé, com um
lápis numa folha de papel da venda, para depois o levar à sapataria, ver qual
era o nosso número e comprar os sapatos.
No outro dia levantava-se bem cedo e ia na primeira camioneta
da manhã que passava ao pé da igreja às seis e meia.
O dia parecia que nunca mais passava e as horas eram intermináveis.
Sem a mãe em casa, nós andávamos como que à deriva sem saber o que fazer, e
esperávamos ansiosamente pelo seu regresso lá para a noitinha.
E por fim a mãe chegava na camioneta da tarde. Quase sempre,
trazia cheia aquela sacola grande, de nylon com riscas às cores, que só pelos
cheiros que nos chegavam ao nariz, já imaginávamos o que vinha lá dentro. E
vinham sempre coisas boas: o café do bom, comprado na Pretinha do Café, aquele
pão-de-forma grande que tinha um cheiro diferente do pão que se comprava todos
os dias de manhã, na venda do padrinho, os bolinhos de arroz ou os pãezinhos de
leite, bem molinhos e com açúcar por cima cujo cheiro e paladar me ficaram na
memória, e ainda hoje, lá de vez em quando, me fazem cair em tentação.
São pequenas coisas que ficaram na lembrança, e me fazem
pensar que não é preciso muito para ser feliz.
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