quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Vou à ponte, dar uma voltinha...


O LARGO DA PONTE

Era no largo da ponte que tudo se passava.

Ali terminava o caminho da Vargem que começava lá em baixo, ao pé da igreja do Rosário e havia a ponte, estreita e com varandas de ferro que ligava ao lado do Estreito. Ali se situava a venda do padrinho, o senhor Faria, e a fonte onde se ia buscar água, ali se esperava o carteiro e era só até ali que os carros podiam ir. Nesse tempo os carros eram muito poucos: era um acontecimento quando chegava um carro à ponte. Os pequenos iam a pé para a escola que ficava perto e brincavam à vontade no caminho porque não havia qualquer perigo.

Durante os dias de semana a mãe não nos deixava ir para a ponte a não ser para ir à venda ou para ir a casa da madrinha. Depois da escola havia sempre em casa tarefas destinadas a cada um, ou íamos para as Fajãs ou para o Lombo, consoante o lugar onde o pai estivesse, ajudar no que fosse preciso; portanto não havia tempo para andar pelo caminho e mesmo não era bonito andar assim desocupado e sem arreio.

 Aos domingos ou nos dias santos à tarde era na ponte que todos se encontravam. Os homens sentavam-se no muro ao lado da venda a jogar à milhada e as mulheres juntavam-se em grupo à conversa um pouco mais abaixo. Os pequenos brincavam à rolha e à matança ou a outros jogos próprios da época.

No tempo dos vimes saltávamos ao vime: dois vimes grandes amarrados pelas pontas faziam a vez de corda; as cordas eram para amarrar os molhos de erva ou de lenha e não para andar a saltar porque se rebentavam.

Umas vezes brincávamos ao jogo das prendas (o que se faz ao dono desta prenda que está para sair?) e ao raminho (aqui trago este raminho muito bem arrematado que o seu amor manda para ver se é do seu agrado!...); outras vezes aos reis e às rainhas a quem atribuíamos títulos muito bonitos e pomposos ou muito feios e horrorosos…Também brincávamos ao galo e às galinhas (falta aqui uma galinha chamada Teresa, que volta levou?!...), ao jogo da meia-lua e às escondidas.

Na noite de São João o largo da ponte iluminava-se com a chama das fogueiras que se faziam; o cheiro a louro e a alecrim espalhava-se por todo o lado; era uma fogueira grande para os maiores e uma mais pequena para a criançada que não queria ficar apenas a ver os maiores a saltarem.

Na altura da Festa eram muitos os dias santos, na primeira e segunda oitava ninguém trabalhava, por isso muita gente se juntava no largo da ponte e havia sempre muita animação. Grandes e pequenos jogavam ao jogo do farelo do qual muitos saíam com as mãos vermelhas e a escaldar, das palmadas que tinham levado até descobrirem quem lhes estava a aquecer.

Raparigas e rapazes mais novos faziam as cantigas de roda e aproveitavam para dar uma piscadela de olhos a quem lhes interessava. Cantava-se a Teresinha de Jesus, a Borboleta Branca, o Paspalhão, Alargai-vos raparigas que o terreiro não é estreito, Muito chorei eu no domingo à tarde…

Tudo isto acontecia no tempo em que ainda não havia televisão em São Vicente. A partir do momento em que chegou a televisão a maioria das pessoas preferiu ficar em casa, os momentos de convívio foram-se tornando cada vez mais raros e hoje só alguns se lembram dos jogos e das cantigas.

O largo da ponte ainda lá está mas perdeu todo o encanto que sempre teve.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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