quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Malassadas ou bolos na graxa

O Entrudo
            Uma das lembranças mais antigas que tenho é de ver a avó Serafina a tender os bolos e pô-los a levedar, deitando a farinha para não pegarem na toalha, e depois cortá-los em bocados para fritar na banha de porco. Mas também me lembro de ser bem pequena e ver a prima a fritar as malassadas na cozinha a lenha (a cozinhinha), observando com muita atenção como molhava os dedos na água de um canjirão de alumínio, para que a massa não lhe pegasse e as malassadas ficassem bem redondinhas. 

Depois que a avó Serafina se foi, era a mãe que fazia as malassadas. Começava a fazê-las na quinta-feira das comadres. E contava-nos que “naquele tempo, neste dia, os compadres serravam as comadres”, isto é, colocavam-se num lugar mais elevado e pegavam com as mulheres, dizendo piadas e graçolas, gritando bem alto para que toda a gente ouvisse; é claro que elas não gostavam nada disso, nenhuma gostava de ser serrada.

Na semana seguinte era a quinta-feira dos compadres e a mãe voltava a fazer malassadas, porque segundo dizia ”eles também merecem”. A história deste dia era que “naquele tempo, uma vez tinham feito um compadre a rigor e até lhe tinham feito um enterro”. Na minha imaginação eu conseguia ver a cena toda, tal era a maneira como a mãe descrevia esse episódio. Então a mãe já nos ia dizendo que no dia de entrudo ia fazer um “barreleiro” de malassadas e nós acreditávamos. Um barreleiro é uma espécie de cesto de vindima, mas um pouco mais pequeno, o que queria dizer que ia mesmo fazer uma grande quantidade delas.

No dia de entrudo a mãe fazia as malassadas, não um barreleiro mas uma tampa cheia. Uma tampa é um cesto de vimes redondo, sem asa, largo e meio baixo em que se colocava a roupa lavada antes de passar a ferro, e onde às vezes a mãe guardava pão de casa embrulhado em toalhas brancas de algodão, as toalhas do pão que só serviam mesmo para esse fim.
 
A mãe também fazia os bolos na graxa, à moda da avó Serafina, porque o pai só gostava desses e a mãe fazia-lhe a baboseira. Na hora da ceia comíamos as malassadas com açúcar, acompanhadas com chá; a mãe contava que no seu tempo de rapariga, em casa da avó das Fontes, o avô fazia sempre uma caldinha de açúcar com limão para molhar as malassadas; também nos contava as peripécias que os tios faziam (principalmente o tio Francisco, o mais novo dos irmãos) enquanto a avó Silvéria fritava as malassadas. Nós íamos ouvindo as histórias e nos deliciando com as malassadas.

Neste dia de entrudo o cheiro a malassadas fritas invadia toda a vizinhança e eu quase sempre ficava com o estômago embrulhado e não conseguia comer mais do que duas malassadas; mas no outro dia, gostava delas frias e já meio durinhas, com o café que todos os dias pela manhã a mãe fazia, cevada misturada com café do bom.

Era assim o nosso Entrudo. Nesse tempo não se falava em carnaval, a não ser o do Brasil o qual, como nos dizia o pai que já tinha andado por lá, era uma vergonha porque as mulheres dançavam na rua quase todas nuas.

 
 

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