Os dias de chuva
Em São Vicente os dias de chuva eram muito aborrecidos. Às
vezes chovia dias a fio, aquela chuva miudinha, sem jeito, mas que não deixava
ninguém fazer nada. Ficava tudo pingando, os terreiros e os cantos dos caminhos
com lodo verde, a lenha tão húmida que para acender o lume era um tormento, custava
a pegar, fazia uma fumaceira dentro da cozinha e muitas vezes a mãe irritava-se
porque queria se despachar e não havia maneira de o lume se espevitar a arder.
Mas aqueles dias em que chovia forte e feio eram mesmo uma
verdadeira tortura. Nestes dias não podíamos sair de casa, dar uma voltinha até
à ponte, nem sequer ir a casa da madrinha. O pai não podia ir para a fazenda e
entretinha-se na loja: às vezes fazia um cesto de vimes para as lidas de casa, arranjava
os cabos das enxadas, outras vezes limpava e arrumava os “tabernaques” ou então
tirava os grelos das semilhas e arrumava-as num canto da loja para depois
plantar quando chegasse a altura.
A mãe sentava-se a bordar ao pé da janela do quarto das
raparigas e nós, à roda dela, íamos ouvindo as suas histórias de antigamente e
aprendendo as cantigas que nos ensinava. Às vezes Agostinho tocava gaita, nós
cantávamos, e ali mesmo fazíamos um brinco. A mãe também nos ensinava as
lengalengas que sabia, como aquela das dez meninas que lhes deu o
tangorromangante e depois só ficaram nove, e assim sucessivamente até não ficar
nenhuma. Depois vinham as adivinhas para nós descobrirmos a resposta; às vezes
a mãe até nos punha a inventar as adivinhas e era risada geral quando cada um
inventava a sua, pois saíam sempre coisas engraçadas. Mas o que nós esperávamos
sempre eram as anedotas do Bocage, que já tínhamos ouvido a mãe contar inúmeras
vezes e nos faziam rir às gargalhadas até doer a barriga.
Com aquele tempo de chuva e as tardes pequenas, anoitecia
cedo. Então depois da ceia, a mãe aproveitava para bordar mais um bocado, coisa
que ela muito gostava e fazia com perfeição, mas nos outros dias não lhe dava
muito jeito, porque a vida de casa quase não lhe deixava tempo livre. Nós
jogávamos à bisca com o pai: quem perdesse saía e entrava outro, mas o pai jogava
sempre; ainda consigo ver os dedos grossos do pai a bater na madeira quando
tinha o Ás ou o Sete.
Eram estas as nossas tertúlias, no tempo em que não havia
televisão. Tínhamos apenas o rádio na cozinha, onde ouvíamos a música pedida e
aquelas músicas do Teixeirinha que o pai adorava porque lhe faziam lembrar com
emoção as terras brasileiras onde vivera por algum tempo, e onde há vários anos
se tinha despedido dos seus irmãos e sobrinhos dos quais com saudade sempre
falava.
Estas histórias tuas histórias, Ângela...! Como me fazem viajar a um tempo doce e delicioso que recordo com emoção... Obrigada pela tua partilha!
ResponderEliminarBeijinhos