DIA DE
PÃO-POR-DEUS
Eram dois dias santos seguidos, o Dia
de Pão-por-Deus e o Dia das Almas, muito lembrados na nossa casa.
Na véspera do Pão-por-Deus a mãe
fazia uma amassadura de pão, com rosquilhas e bolos de rolão. Depois do pão
cozido e bem tapado com as toalhas brancas de algodão que só serviam mesmo para
esse efeito, já tínhamos as pudineiras cheias de pêros rosados que metíamos
dentro do forno e lá ficavam a assar no calor que ainda restava. Tínhamos pêros
assados para comer durante alguns dias. E o que me dá mais saudade neste Dia de
Pão-por-Deus é exactamente os pêros assados. Ainda retenho na minha memória aquele
cheiro que se espalhava por toda a cozinha e o sabor dos pêros, ainda mornos,
uma verdadeira delícia.
Neste dia costumava sempre passar
algum pobre a pedir esmola e a mãe, caridosa como sempre, fazia questão de lhes
dar qualquer coisa, porque nenhum pobre poderia ser esquecido neste dia.
E como
sempre acontecia por altura destas ocasiões assinaladas, a mãe contava a
propósito, histórias dos pobres de antigamente, que vinham a casa da avó das
Fontes, a avó Silvéria; naquela casa muitos pobres enganaram a fome por algumas
vezes, porque a avó não os deixava ir de barriga vazia. E a mãe fazia o mesmo
que a sua mãe costumava fazer nesse tempo de antigamente, ensinando-nos também
o valor da caridade, da generosidade e da solidariedade para com os mais
necessitados.
No dia dois de Novembro, Dia das
Almas, eram lembrados todos os familiares que já haviam partido deste mundo,
principalmente os nossos avós. A mãe falava de todos com muita saudade, quase
sempre com a lágrima ao canto do olho. Nós, ainda pequenos, ouvíamos as várias
histórias e ficávamos a olhar para a mãe, com os olhos rasos de lágrimas,
tentando compreender a dimensão daquela saudade.
Era dia de ir à missa e rezar por
intenção de todas as almas, não só dos nossos familiares mas também pelas almas
do Purgatório. Eu não gostava desta missa por decorrer num ambiente muito
pesado. As mulheres vestiam-se de escuro, algumas quase todas de preto como se
estivessem de luto - eu achava aquilo tudo um exagero, porque nunca gostei de
preto - e dentro da igreja ao longo da missa havia muitas fungadelas, porque
todos se lembravam dos seus entes queridos, ainda mais na hora da homilía,
quando o senhor padre falava e exaltava os que já tinham partido para o Além.
À noite, depois da ceia, tínhamos que
rezar o terço com a mãe. Era um suplício, porque além do tempo que demorávamos
a rezar o terço, ainda vinham no final as Avé-Marias por intenção daqueles que
a mãe se ia lembrando, o que ainda nos obrigava a rezar mais um bocado. Mas
tinha que ser!... A mãe cumpriu o seu dever de nos ensinar e todos nós
aprendemos a rezar e a respeitar a memória dos nossos antepassados.
Certamente não nos iremos esquecer!...
E agora já compreendo a dimensão
daquela saudade que a mãe sentia. Tenho a certeza que a minha saudade é tão
grande como a que a mãe sentia nesse tempo!...
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