domingo, 28 de fevereiro de 2016

Dia de Pão-por-Deus


DIA DE PÃO-POR-DEUS

Eram dois dias santos seguidos, o Dia de Pão-por-Deus e o Dia das Almas, muito lembrados na nossa casa.

Na véspera do Pão-por-Deus a mãe fazia uma amassadura de pão, com rosquilhas e bolos de rolão. Depois do pão cozido e bem tapado com as toalhas brancas de algodão que só serviam mesmo para esse efeito, já tínhamos as pudineiras cheias de pêros rosados que metíamos dentro do forno e lá ficavam a assar no calor que ainda restava. Tínhamos pêros assados para comer durante alguns dias. E o que me dá mais saudade neste Dia de Pão-por-Deus é exactamente os pêros assados. Ainda retenho na minha memória aquele cheiro que se espalhava por toda a cozinha e o sabor dos pêros, ainda mornos, uma verdadeira delícia.
 
Neste dia costumava sempre passar algum pobre a pedir esmola e a mãe, caridosa como sempre, fazia questão de lhes dar qualquer coisa, porque nenhum pobre poderia ser esquecido neste dia. 

E como sempre acontecia por altura destas ocasiões assinaladas, a mãe contava a propósito, histórias dos pobres de antigamente, que vinham a casa da avó das Fontes, a avó Silvéria; naquela casa muitos pobres enganaram a fome por algumas vezes, porque a avó não os deixava ir de barriga vazia. E a mãe fazia o mesmo que a sua mãe costumava fazer nesse tempo de antigamente, ensinando-nos também o valor da caridade, da generosidade e da solidariedade para com os mais necessitados.

No dia dois de Novembro, Dia das Almas, eram lembrados todos os familiares que já haviam partido deste mundo, principalmente os nossos avós. A mãe falava de todos com muita saudade, quase sempre com a lágrima ao canto do olho. Nós, ainda pequenos, ouvíamos as várias histórias e ficávamos a olhar para a mãe, com os olhos rasos de lágrimas, tentando compreender a dimensão daquela saudade.

Era dia de ir à missa e rezar por intenção de todas as almas, não só dos nossos familiares mas também pelas almas do Purgatório. Eu não gostava desta missa por decorrer num ambiente muito pesado. As mulheres vestiam-se de escuro, algumas quase todas de preto como se estivessem de luto - eu achava aquilo tudo um exagero, porque nunca gostei de preto - e dentro da igreja ao longo da missa havia muitas fungadelas, porque todos se lembravam dos seus entes queridos, ainda mais na hora da homilía, quando o senhor padre falava e exaltava os que já tinham partido para o Além.

À noite, depois da ceia, tínhamos que rezar o terço com a mãe. Era um suplício, porque além do tempo que demorávamos a rezar o terço, ainda vinham no final as Avé-Marias por intenção daqueles que a mãe se ia lembrando, o que ainda nos obrigava a rezar mais um bocado. Mas tinha que ser!... A mãe cumpriu o seu dever de nos ensinar e todos nós aprendemos a rezar e a respeitar a memória dos nossos antepassados.

Certamente não nos iremos esquecer!... 

E agora já compreendo a dimensão daquela saudade que a mãe sentia. Tenho a certeza que a minha saudade é tão grande como a que a mãe sentia nesse tempo!...

 


 

 

 

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